ARTIGO - Progressistas ou Conservadores: Quem herdará a Sé de Pedro?


Progressistas ou Conservadores: Quem herdará a Sé de Pedro?
Como a renúncia do Papa Bento XVI e as especulações acerca do seu provável sucessor reacendem as discussões acerca do futuro da Igreja Católico Romana.

Por Manoel Gonçalves Delgado Jr.

            No último dia 11 de fevereiro o Papa Bento XVI anunciou a sua renuncia ao pontificado da Igreja Católica Romana (prevista para o dia 28 de fevereiro), sendo segundo dados oficiais da mesma, o quarto Sumo Pontífice a renunciar e o primeiro desde 1415.[i]
De acordo com que foi noticiado na Imprensa, as razões seriam de ordem médica, e, sobretudo devido a sua impossibilidade de viajar e corresponder a intensa agenda de sua posição, outros por sua vez, cogitam alguma mudança estratégica, ou política em virtude de questões internas envolvendo o seu pontificado, ou até mesmo devido ao decréscimo de fieis  em todo, como por exemplo na América Latina com crescimento dos evangélicos.  
            Os ares progressistas do Concílio Vaticano II[ii], foram arrefecidos por dois pontificados sucessivos dos conservadores, João Paulo II e Bento XVI respectivamente. Neste período ocorreram combates a perspectivas teológicas liberais e progressistas como, por exemplo, contra a teologia da Libertação na América Latina, e as teologias contextuais diversas, o apoio ao movimento carismático católico, a re-incorporação de grupos ultramontanistas ao seio da Igreja Católica, que entre suas práticas mais controversas incluem rituais de autoflagelação, o investimento em atividades para a juventude, como a Jornada Mundial, evento que congrega jovens católicos do mundo todo, e que neste ano será sediada cidade do Rio de Janeiro.   
            Agora com a vacância do maior posição eclesiástica dentro da Igreja Católica e a proximidade de um conclave, surge a pergunta acerca de qual perspectiva norteará o próximo Papa da igreja Católica?
           
Neste artigo, tentaremos esboçar as visões dentro da eclesiologia católica, apresentando o pensamento de alguns típicos representantes da teologia católica pós-vaticano II, utilizaremos o esquema do livro “Igrejas Locais e Colegialidade Episcopal” do Padre Antonio José de Almeida, por entendermos que o mesmo faz uma boa síntese do que tem ocorrido nos arraiais romanistas pós-concílio vaticano segundo:

“Dentre as várias redescobertas que o Vaticano II fez em matéria de Eclesiologia duas se destacam: a eclesiologia total e a colegialidade episcopal. A primeira grande redescoberta foi, sem dúvida, a redescoberta a redescoberta da eclesiologia total, onde a igreja não é pensada verticalísticamente a partir da hierarquia para a massa dos fieis, mas a partir da onto-antropologia da graça, ou seja, da comum dignidade batismal dos membros do santo Povo de Deus. A segunda foi a da colegialidade. O concílio, porém, a visualiza numa perspectiva descendente: de Cristo ao colégio dos apóstolos aos seus sucessores, os bispos. Esta é a perspectiva que ainda hoje predomina nos documentos vaticanos sobre a matéria. Mas há uma outra perspectiva: ascendente. Esta perspectiva nos textos conciliares ainda é minoritária – aparece, por exemplo, quase que erraticamente, em Lúmen Gentium 26, dentro do capítulo III do Lúmen Gentium, onde, falando dos bispos, o concílio cita menos que cinqüenta e uma vezes o primado do romano pontífice – mas será desenvolvida no pós concílio: a do primado teológico da igreja local em eclesiologia.”(grifo meu)[iii]

Para Almeida a Eclesiologia Católica atual está dividida no que concerne à colegialidade episcopal os representantes da Eclesiologia Descendente a versão contemporânea do pensamento hierárquico tradicional católico. E aqueles que defendem uma Eclesiologia de linha Ascendente, desejam que a igreja católica reformule a sua eclesiologia de modo a torná-la menos hierárquica, e defendem em maior o menor grau a diminuição do poder e do papel do Papa.

A – Perspectiva Progressista.
O grupo progressista se considera fiel signatário do “espírito” do Vaticano II, caracterizando-se pela abertura eclesial, teologias contextuais, diálogo com a ciência e cultura e pela perspectiva ecumênica (diálogo entre cristãos) e pelo “ecumenismo mais amplo” (o diálogo entre todas as religiões) na eclesiologia defende uma perspectiva ascendente em que o poder eclesiástico deve ser constituído a partir da base, os cargos da hierarquia católica devem ser vistos do ponto de vista administrativo. 

Hans Küng (1928-).
Teólogo reformista e sacerdote católico, autor e conferencista internacional. Nasceu na Suíça, estudou na Suíça, Itália, França. Sua tese de Doutorado foi sobre a doutrina da Justificação em Karl Barth sendo reconhecido por este último como um dos únicos que compreenderam bem o seu pensamento. Küng foi nomeado perito do Concílio Vaticano II, e propôs a revisão de dogmas do catolicismo tais como: Celibato obrigatório, infalibilidade papal, ensino sobre controle de natalidade, poder da cúria romana; a desigualdade dos direitos da mulher na Igreja Católica.[iv]
A congregação para a Doutrina da Fé revogou o seu status de teólogo católico (1979) é conhecido por suas críticas ao modelo hierárquico da Igreja católica romana, e para ele existem três problemas insolúveis para a “eclesiologia tradicional” tal como ela é defendida por Roma: 1 – “A escritura não dá apoio para a interpretação sacral-clerical.... do ministério dos ordenados” 2 – “Não se encontra no novo testamento uma teoria unificada sobre sucessão apostólica de bispos” 3 – “Não se pode ainda falar de (com base no novo testamento) de uma instituição hierárquica de diáconos, presbíteros e bispos sob o primado de Pedro[v]
            Não é de admirar que a congregação para a doutrina da fé o tenha disciplinado, uma vez que, esta sua posição sintetiza bem os principais problemas do sistema episcopal romano pondo “em cheque” o modelo católico atual.  

Leonardo Boff (1938-)
Teólogo católico brasileiro, conhecido internacionalmente pela Teologia da Libertação. Sacerdote franciscano ordenado em 1964 obteve o seu doutorado na Alemanha, sob a orientação de Karl Rahner. Sua fama na América Latina começou com o seu livro “Jesus Cristo Libertador” e seu reconhecimento mundial aumentou com o silencio que lhe foi imposto pelo Vaticano em 1985 por causa de seu livro: “Igreja Carisma e Poder”[vi] que questiona o modelo católico hierárquico, e defende uma comunidade de dons e serviços, organizada em comunidades eclesiais de base.
Em 1993 renunciou ao sacerdócio sob ameaça de outro “silencio” pelo Vaticano. Casou-se e atualmente leciona na cátedra de filosofia, ética e ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Suas críticas ao modelo hierárquico são basicamente as mesmas de Küng embora ele encontre na doutrina da trindade uma incompatibilidade com o modelo episcopal vigente, para ele a trindade é um exemplo de comunidade e deveria ser o paradigma das relações sociais e eclesiásticas. [vii]

B – Perspectiva Conservadora.
Entre os conservadores poderíamos citar duas importantes tendências a de sistematizar o catolicismo em bases filosóficas contemporâneas e o retorno “ad fontes” em busca do ensino tradicional a partir da produção conciliar e patrística. No campo eclesiológico defende-se uma perspectiva descendente, em que a hierarquia é reafirmada.

Karl Rahner(1904-1984).
        Entre os exemplos de eclesiologia descendente poderíamos citar o Teólogo e Filósofo Jesuíta, Karl Rahner. Fundador da corrente teológica denominada “teologia transcendental” é um dos grandes representantes do neo-catolicismo moderno.
            Sua tese de doutorado denominada “Espírito no Mundo” busca estabelecer uma síntese de pensamento entre Heidgger e Tomás de Aquino.[viii] Em sua obra denominada de “curso fundamental da fé” ele apresenta uma via indireta para reafirmar o modelo hierárquico da Igreja Católica. A sua apologética se baseia em sete “critérios” em busca de uma “legitimação da Igreja Católica como Igreja de Cristo”[ix] : 1 – A instituição eclesiástica como uma necessidade na Igreja; 2 – “A Igreja de Jesus deve ser una”; 3 – “Confiança na comunidade eclesial“(uma vez que faço parte de uma comunidade devo confiar que a mesma primariamente é verdadeira);4 -  “Continuidade com a origem e a recusa do relativismo eclesiástico”; 5 -  “Conservação da substância básica do cristianismo” 6 – “O Critério da autoridade objetiva”; 7 – A Continuidade Histórica da Igreja Católica.
Num diálogo com a teologia evangélica, Rahner diz que uma divisão baseada em Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, não se justifica, uma vez que estas doutrinas são da substância básica do cristianismo, que para ele a Igreja católica sempre ensinou! Inclusive ele diz que na Igreja católica o Sola Gratia é a base do pensamento católico e alega que o magistério da Igreja católica corretamente compreendido demonstraria isto diz ele que:

“Tal interpretação... não é nem constitutiva de Igreja e nem fonte de separação eclesial. Pois se dissermos que o Sola Gratia significa que o homem encontra realmente a sua salvação mediante a graça livre e absolutamente soberana de Deus, e que, portanto, neste sentido não cabe nenhum sinergismo entre Deus e o homem no sentido de que o homem esteja em condições de contribuir com para a salvação com algo que não lhe tenha sido dado pela livre graça divina, trata-se de doutrina que não só se pode defender e ensinar serenamente no âmbito da doutrina católica sobre a relação do homem para com Deus.
É claro que o concílio de Trento ensina que o homem é livre inclusive em sua atividade salvífica. Mas no âmbito da doutrina católica oficial e obrigatória não há o conceito de que existiria uma liberdade do homem, uma faculdade do homem, uma potencia do homem que por si mesma pudesse fazer autônoma e independentemente qualquer coisa própria e positiva como contribuição a salvação, de tal sorte que a salvação como tal não fosse pura e simplesmente o dom que deus oferece ao homem em seu amor inteiramente livre e que absolutamente não se pode exigir. “[x]

Tal linha de argumentação representa a apologética católica atual sobre o assunto o que exigirá de nós uma nova abordagem com relação ao catolicismo.  

   Joseph Ratzinger(1927-).
        Por último gostaríamos de apresentar o pensamento eclesiástico de  Joseph Ratzinger. Nascido na Baviera. Foi um dos peritos do Concílio Vaticano II[xi] foi professor de Teologia em Tübingen, junto com Küng de quem revisou a tese de doutorado, foi seu amigo, mas sempre discordou da posição eclesiológica do mesmo:

Em 1966 é nomeado professor de teologia dogmática na universidade de Tübingen. Sua nomeação é fortemente apoiada pelo professor Hans Küng. Ratzinger tinha conhecido inicialmente ao Kung em 1957 em um congresso de teologia dogmática em Innsbruck. Logo depois de revisar o trabalho doutoral do Küng sobre Karl Barth, diz Ratzinger: “Tinha muitas perguntas que lhe fazer a respeito deste livro, pois, apesar de que seu estilo teológico não era o meu, tinha-o lido com prazer e o autor me tinha suscitado respeito, pois tinha gostado muito da sua abertura e retidão . Assim se estabeleceu uma boa relação de amizade, ainda quando pouco depois...uma séria discussão começou entre nós a respeito da teologia conciliar.” [xii]

Em 1977 foi eleito Arcebispo e no ano seguinte Cardeal, foi nomeado pelo Papa João Paulo II, em 1981, Prefeito da “Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano” Cargo que exerceu até abril de 2005 quando foi eleito como Papa adotando o título de Bento XVI. Suas reflexões teológicas giram em torno das fontes Patrísticas e refletiu fundamentalmente sobre o tema “Igreja” e são marcadas pelo conservadorismo em matéria eclesiástica sendo que o mesmo é um defensor da eclesiologia hierárquica católica.[xiii]

Concluímos este artigo dizendo que o catolicismo atual, nesta questão é um catolicismo dividido. Este debate interno deve durar por este nosso século e embora atualmente as forças conservadoras tenham o domínio, do ponto de vista institucional, as correntes reformistas ainda gozam de algum prestígio, sobretudo no terceiro mundo sendo o futuro do catolicismo ainda incerto. Com relação a nós reformados é importante acompanharmos este debate para que a nossa apologética possa se fundamentar em questões pertinentes ao catolicismo atual.       





[i][i] Bento IX deixou o cargo em 1045, e Celestino V, em 1294, cinco meses depois de eleito. Sendo o último Gregório XII, em 1415. Fonte Portal da Globo/Bom dia Brasil: Matéria de Marcos Losekann acessado em 12/02/2012.
[ii]ELWELL, Walter, Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, pág. 316 – (1962-1965) Considerado pelos católicos romanos como o vigésimo primeiro concílio eclesiástico ecumênico, o Vaticano II foi uma tentativa deliberada de renovar e atualizar (aggiornamento) todas as facetas da fé e da vida eclesiástica.
[iii] ALMEIDA, Antonio José, Igrejas Locais e Colegialidade Episcopal, pág.5-6 
[iv] GONZALEZ, Justo, Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 403-404
[v] KÜNG,Hans,Teologia a caminho, pág.118-119
[vi] GONZALEZ, Justo, Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág.118-119
[vii] BOFF, Leonardo, Novas fronteiras da Igreja, pág.78-79
[viii] GONZALEZ, Justo, Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 542-545
[ix] HAHNER,Karl “Curso Fundamental da Fé” pág.404-430 ver ainda sobre o método indireto aplicado especificamente a doutrina do primado do bispo de Roma  págs. 447-448
[x] HAHNER,Karl “Curso Fundamental da Fé” pág. 418-419
[xi] GONZALEZ, Justo, Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 548-549
[xii] Biografia de Bento XVI Disponível www.acidigital.com/bentoxvi/biografia.htm acessado em janeiro de 2006
[xiii] GONZALEZ, Justo, Dicionário Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 548-549

Comentários

  1. Obrigado pelos apontamentos. Quando escrevemos estamos sempre admnistrando a tensao entre a verdade e a linguagem, pois o objetivo de comunicar e' o de tornar comum, sem porem sacrificar a verdade que se pretende apresentar as pessoas.

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  2. Dentro da ICAR, ate mesmo os ditos “conservadores” aceitam as definições do Vaticano II, e sua exegese já incorporou por exemplo a metodologia histórico-critica, diferente da situação entre os evangélicos, brasileiros... O que eu levantei como questão aqui foi o posicionamento dos grupos com relação a manutenção da hierarquia... assim claramente perceberemos duas perspectivas divergentes...

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