ARTIGO - Meditando na Palavra: Uma introdução ao estudo bíblico indutivo. (II.INTERPRETAÇÃO)
5:11
E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está
em seu Filho. 5:12 Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o
Filho de Deus não tem a vida. 5:13 Estas
coisas vos escrevo, a vós que credes no nome do Filho de Deus, para que saibais
que tendes a vida eterna. 1 João 5:11-13
Como
chegar ao significado do texto bíblico? Quantos sentidos existem para um texto
escrituras? Quais os elementos envolvidos em uma boa interpretação? Estas são
perguntas cruciais para quem deseja interpretar a bíblia com profundidade
meditando na palavra de Deus.
Para
auxiliar neste propósito proponho quatro princípios que viam auxiliar nesta
etapa.
I - Devemos considerar o contexto
histórico e a estrutura gramatical.
O texto nasce dentro de uma determinada época, sobre determinadas
circunstâncias, dentro de um ambiente geográfico, religioso e litúrgico. Quem
são os possíveis autores, ou o autor do material analisado? Quem seria o
destinatário, ou os destinatários do texto? Para quem foi escrito? Ainda que
não façamos uma pesquisa detalhada sobre o contexto, estas perguntas devem
estar na nossa mente. Hoje existem uma infinidade de obras de panorama bíblico
e bíblias de estudo que procuram responder ainda que parcial e esquematicamente
estas perguntas. Caso não tenhamos acesso a estes materiais, as próprias evidencias
internas do texto, o texto em si, já auxilia nas respostas a estas perguntas.
No
caso da passagem acima ela faz parte de uma epístola (carta) e o autor é alguém
que se declara testemunha ocular da morte e ressurreição de Cristo tendo
contemplado a glória de Cristo. O seu contexto seria o do cristianismo
primitivo de fins do século I. O seu público alvo (destinatários) seriam os cristãos
da região da Ásia menor, e as prováveis necessidades pastorais da comunidade envolveriam dificuldades com a perseguição do Império Romano e conflitos com o proto-gnosticismo,
um movimento de caráter sincrético, exotérico e neoplatônico, dentro da igreja
primitiva que nos seus ensinos negou a encarnação de Cristo.
II - Devemos partir do texto “tal como ele
está” abordagem sincrônica. Uma tendência moderna
de interpretação que eu considero válida é a de interpretar o texto na sua
versão finalizada. Tal como o recebemos na bíblia. Ainda que o texto possua uma
história e que existam outros materiais que contribuíram para a versão final do
texto bíblico. É a redação final que possui o status e a autoridade canônica.
Esta abordagem sincrônica, auxilia na interpretação do texto, e nos impede de
entrar em discussões que embora válidas, possam obscurecer o texto bíblico tal
como o recebemos. Deve-se respeitar as auto-reinvindicações do texto dado. A bíblia
é a palavra de Deus. Nos anos que tenho me dedicado ao estudo bíblico indutivo,
em grupos diversos de evangelismo universitário, seminários, e grupos pequenos.
Tenho me maravilhado ao perceber como o texto bíblico fala por si mesmo, com as
pessoas e como elas são capazes de chegar ao seu significado natural. As
perguntas indutivas possibilitam uma rica experiência de interação com o texto
e o crescimento que decorre deste processo é digno de nota. Pois a palavra de
Deus é viva e eficaz. Hebreus 4:12
III - Devemos buscar o sentido original. O sentido original é a relação do autor humano, com o
público original, dentro do seu contexto. Embora existam outras perguntas que
devam ser feitas ao texto, e o seu significado possa ser iluminado pelos
leitores contemporâneos, é o sentido original, que nos dará a interpretação do
texto lido. Sobre a passagem lida inferimos que o autor, tradicionalmente
reconhecido como a apóstolo João, é alguém que se declara testemunha ocular da
morte e ressurreição de Cristo, tendo contemplado a sua glória no monte da
transfiguração, que possuía grande proximidade com Jesus, sendo alguém que
escreveu com o propósito pastoral de instruir os crentes da Ásia Menor, para
que os mesmos tivessem certeza da redenção proporcionada pela encarnação, morte
e ressurreição de Cristo, certeza da vida eterna.
IV-Devemos submeter o resultado ao todo
das escrituras - “analogia da fé” e a “tradição hermenêutica” do cristianismo
histórico. Devemos por a prova as nossas interpretações
para não incorrermos em invencionice e anacronismo. Não fazemos leitura bíblica
no escuro, temos uma tradição hermenêutica que nos auxilia. A nossa
interpretação é coerente com “o todo” da revelação? Estamos negando ou
afirmando a ideia geral do autor no todo de sua obra? O que os leitores cristãos
de outras gerações disseram sobre esta passagem? Por exemplo, esta
interpretação de I João 5:11-13 é coerente com o restante de I João? E com os
escritos joaninos como um todo? Seu ensino sobre a certeza de vida eterna é
compatível com a revelação das escrituras (analogia fidei)? O que o
cristianismo histórico tem a dizer sobre esta interpretação particular (cristianismo primitivo,
patrística, escolástica, teologia da reforma...) ?
Não
basta observar atentamente o texto, é necessário descobrir o seu significado
natural, o seu sentido original. Só então teremos plenas condições de crescer
na leitura e aplicação das verdades bíblicas. Ainda que não venhamos a saber a
totalidade do texto, e dos propósitos divinos, será possível pelo menos
chegarmos o mais próximo possível daquilo que o Senhor nos revelou. É um princípio
da reforma que nós tenhamos acesso as escrituras em nossa língua e sejamos
capacitados para fazer esta leitura. É nossa herança! “As coisas encobertas
pertencem ao Senhor nosso Deus, mas as reveladas nos pertencem a nós e a nossos
filhos para sempre, para que observemos todas as palavras desta lei”
Deuteronômio 29:29
Manoel Gonçalves Delgado Júnior.
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