CRÔNICA - E SE DEUS ESCREVESSE O SEU NOME NO CÉU?

Certo dia, profundamente incomodado com o fato de que o homem não se voltava para Ele, Deus decidiu escrever o seu nome nos céus.
Conta-se que Ele teria escrito a seguinte frase: “Eu existo. Assinado, Deus.” Assim, Seu nome ficou registrado nas nuvens do céu. Agora, o debate acerca de Sua existência ou inexistência estaria resolvido... Quem ousaria questionar o fato de que o próprio Deus escrevera o Seu nome no céu?
Os ateus, agnósticos, monistas, politeístas e todos os outros que negam a existência de um Deus pessoal levariam uma lição, pensaram os apologistas. Agora, os homens que resistem à revelação sucumbiriam a essa evidência irrefutável da presença divina.
Os apologistas, então, organizaram uma conferência ao ar livre. Era um dia de muito sol. Munidos de binóculos, provas fotográficas e linguistas peritos nos idiomas originais em que Deus escrevera a frase, prepararam-se para demonstrar a veracidade do evento. O texto estava escrito em inglês e mandarim, para atingir o maior número de pessoas; em francês, para que os acadêmicos franceses não imaginassem ser uma fraude; em alemão, para que os alemães não suspeitassem de uma conspiração francesa; e, claro, em português, porque, segundo dizem, Deus é brasileiro. Ah, e também em grego e hebraico, apenas para não perder o costume.
Havia ali também alguns matemáticos, especialistas em probabilidade, prontos para demonstrar que a chance de Deus escrever naquela quantidade de idiomas no céu era de 1 elevado à infinitésima potência! Sem dúvida, não estavam para brincadeira.
Muitas outras provas irrefutáveis foram somadas a essa evidência original, com o intuito de demolir os argumentos da oposição. Quando finalmente os debatedores anti-Deus chegaram, foram bombardeados com todas as explicações possíveis.
Mas as respostas foram as mais variadas. Os cientistas presentes disseram que não havia provas empíricas suficientes para definir a questão. Outros alegaram que as correntes hegemônicas da ciência ainda não haviam analisado o fenômeno e que, portanto, ele não servia de prova para coisa alguma. Alguns argumentaram que aquele era um evento singular e que eventos singulares não podem constituir evidências científicas. Outros defenderam que se tratava de uma consequência aleatória, fruto de uma evolução cósmica regida pelo acaso. "Semelhante ao DNA!", bradou um biólogo presente. Aliás, para eles, aquilo era algo tão trivial que qualquer macaco seria capaz de datilografar em bilhões de anos.
Um filósofo e um linguista relativizaram todo o ocorrido, afirmando que aquelas pseudo-letras não passavam de sinais aleatórios, cujo significado dependia dos valores e da percepção de quem os observava. Para um filósofo existencialista ali presente, por exemplo, a frase significava, existencialmente, que ele deveria beber mais refrigerante!
Os religiosos também foram céticos em relação aos argumentos dos apologistas. Apenas para exemplificar, um monista presente considerou que aquela frase era uma prova irrefutável de que todos temos uma existência única, profundamente irmanada com todas as coisas e que, no fundo, todos nós somos Deus.
O debate durou até o anoitecer, com todas as partes irredutíveis, sem recuos. No final, um apologista parou e pensou: "Mas que perda de tempo! O homem natural nunca aceitará esta nossa conversa, nem estas provas."
Nesse momento, ele consultou seu antigo livro, um tanto esquecido e empoeirado, mas verdadeiro. Descobriu, então, que o próprio Deus já alertara que as pessoas não se voltariam para Ele dessa forma. Percebeu também que o Senhor já havia provado Sua existência muito antes daquela frase escrita nos céus, mas que os homens são teimosos e negam a verdade que já possuem. O problema, ele constatou, estava no coração do homem, sede dos sentimentos, da razão e da vontade, segundo o antigo livro. Se o coração não mudar, o homem não muda, e os argumentos, por melhores e mais verdadeiros que sejam, não são capazes de tocar os corações.
"O que fazer, então?", perguntou o apologista desorientado. E o antigo livro respondeu: "Pregue a verdade, torne-a conhecida, e a transformação dos corações ficará comigo."
Esta pequena história é ficção. Deus não precisa escrever Seu nome nos céus para comprovar Sua existência. Pelo menos, não de novo.
Manoel G. Delgado Júnior.
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