REFLEXÃO - O PARADOXO CHINÊS
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Aborto forçado no sétimo mês de gravidez. |
"“Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem por nada, sem pagar-lhes o devido salário.” Jeremias 22:13
“Ai daquele que edifica uma cidade com sangue e a estabelece com crime!” Habacuque 2:12
“Ai da cidade sanguinária...” Naum 3:1
A ascensão da China no cenário econômico mundial está revisitando o pior lado da nossa política ocidental. Isto se dá exatamente por conjugar aspectos de uma economia de mercado com um verniz ideológico de fundo marxista.
Neste país, a violação dos direitos humanos tem sido tolerada, a ausência das liberdades civis tem sido assimilada e apresentada como uma característica peculiar do Estado Chinês, como absolutamente normal. As regras de mercado e os direitos civis, que foram mundialmente conquistados a custo de sangue, martírio e de movimentos sociais e espirituais renovadores tais como os avivamentos nos dias de John Wesley e Whitefield e o abolicionismo de William Wilberforce e John Newton na Inglaterra[1], estão sendo lentamente flexibilizadas. No caso chinês, o desrespeito a estas regras representa a lenta ascensão de uma nova espécie de trabalho: o trabalho compulsório de mercado.
Diferente do que preconizavam doutrinas liberais como as de Milton Friedman, o avanço da economia de mercado não representa o progresso das liberdades civis, e também não significou o fim da perseguição ao cristianismo, que, apesar disso, tem crescido subterraneamente por meio de uma rede de pequenos grupos nos lares, que não gozam de liberdade religiosa estatal.
O paradoxo chinês continua, por exemplo, nos direitos trabalhistas. Em nenhum outro país a mão de obra é mais barata. Por esta razão, nenhum outro país impulsiona mais a flexibilização dos direitos trabalhistas. O paradoxo está em que esta flexibilização, expressa no modelo chinês e aceita por setores da esquerda mundial e também brasileira, vai contra a própria trajetória que conduziu esses movimentos ao poder, bem como contra sua mobilização local em favor dos direitos trabalhistas.
Caso se confirmem as projeções que colocam a China como a maior economia do século XXI, presume-se que talvez nenhuma outra nação influencie mais costumes, valores e sociedade neste novo século. Este processo certamente terá reflexos diretos na maneira como vivemos.
Os grupos políticos mais tradicionais, à direita do espectro político e econômico, não têm sido menos omissos nestas questões. Por mais dantesca que possa ser a quimera estatal chinesa, é inegável que, do ponto de vista da lógica do mercado, ela está dando certo. Ou seja, está aumentando o capital, os setores produtivos estão girando enormes quantidades de recursos, empreiteiros lucram extraordinariamente com o surgimento repentino de cidades, e uma nova classe média chinesa, maior do que a população brasileira, pode surgir como um novo e próspero mercado consumidor global, sob uma imensa base de servos-produtores excluídos das benesses sociais.
Cabe à direita[2] o autoengano de proclamar que a liberdade de mercado tenderá a gerar gradativamente o avanço das liberdades civis, com democracia e direitos para todos, omitindo, porém, a triste realidade de que a liberdade de mercado e as liberdades civis nem sempre caminharam juntas ao longo da história.
Cabe à esquerda, mais uma vez, o companheirismo peculiar de omitir as atrocidades globais quando cometidas em nome do marxismo. O que já acontecia na China desde os dias de Mao Tsé-Tung ou na Rússia desde a Revolução de 1917.
O propósito deste artigo não é desmerecer o belo e forte povo chinês, que, apesar destas barreiras, preserva uma cultura simbólica rica e milenar. É um povo excepcional. Mas sim alertar para o risco do silêncio dos grupos políticos e econômicos sobre as violações dos direitos humanos em uma vasta extensão do mundo.
Por falar nisso, a Índia, a Indonésia e a Coreia do Norte não se encontram em condições melhores. Nestes, e em outros lugares, existem violações aos direitos humanos e perseguições religiosas.
A pergunta que me faço é a seguinte: quem vai se indignar pelo aborto forçado de Feng Jianmei, jovem chinesa de 22 anos, que, impossibilitada de pagar a multa para ter um segundo filho, teve seu filho assassinado no sétimo mês de gravidez e, por pressão internacional provocada por imagens dela e de seu filho na internet, recebeu uma pífia indenização? Qual tribunal deste mundo poderá julgar com imparcialidade questões como estas? Entre “endinheirados” e “companheiros”, quem se preocupará com a vida humana?
[1] Citamos apenas o caso inglês por ser o marco inicial do processo abolicionista.
[2] Por esquerda e direita, nos referimos ao posicionamento no espectro político, que possui sua origem na Revolução Francesa e que constituiu historicamente setores progressistas à esquerda e setores conservadores à direita: Girondinos e Jacobinos, respectivamente. Em sentido econômico, os termos estão associados à liberdade econômica e liberdades civis (direita) e administração estatal da economia e igualdade social (esquerda). O espectro político-econômico é vasto e possui amplos desdobramentos em sua configuração. Questiona-se atualmente o espectro político-econômico por ser simplista e gerar distorções. Isto é verdadeiro; contudo, para fins de comunicação, o seu uso ainda é válido. O ponto aqui é apenas demonstrar que, no caso chinês, por razões diversas, grupos antagônicos não se posicionam contundentemente sobre possíveis violações dos direitos humanos e das liberdades civis.
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