REFLEXÃO - SOBRE BACIAS E BEBÊS.
Sei que esta é uma batalha inglória. Mas me aventuro
falar aqui, uma vez que, sou pastor evangélico e realizo algumas práticas, que
de uns tempos para cá tem recebido críticas nos púlpitos, nas redes sociais, e
na blogsfera selvagem do meio teológico e dos videologs´s[1] de
plantão.
O simples fato de ter de discuti-la já demonstra a
triste época em que vivemos em que o acessório vem ocupando a reflexão sobre o
essencial em liturgia e teologia.
Talvez a razão pela qual eu me aventure a considerar
esta questão seja pelo fato de eu me identificar em parte com os críticos, uma
vez que, eu também já fui um severo crítico destas práticas, mas por uma questão
de gosto pessoal, pois particularmente sou um TRADICIONAL INVETERADO. Mas tenho
aprendido a ser CONTEMPORÂNEO POR OPÇÃO.
A algum tempo atrás eu também seria capaz de
formular estas objeções que agora eu ouso contra-argumentar...
I– TAIS PRÁTICAS SÃO ENTRETENIMENTO, SHOW E ALHEIAS
A TEOLOGIA REFORMADA. - Discordo, pois o conteúdo da mensagem
apresentada é quem vai nos dizer se as mesmas são reformadas ou não. Possui
base bíblica a exposição? Está de acordo com verdade revelada? É harmônica com
o ensino geral das escrituras? É coerente com as bases de fé da tradição
reformada? Estes são os verdadeiros critérios de uma boa teologia. É preciso
que se diga com alguma franqueza e rigor histórico: A homilética[2]
que muitos dos críticos considera padrão e reformada[3],
não passa de uma aplicação pastoral da retórica greco-romana, e não ultrapassam
os princípios de harmonização estilística propostos por Aristóteles em sua obra
“A Retórica” nos quais o autor apresenta que os objetivos da retórica são os de
convencer, COMOVER E ENTRETER. Isto
mesmo! Existe arte na exposição de uma peça retórica, existe beleza, existe
recurso estilístico visa-se entreter o público. Poderíamos falar de Demóstenes
e de Cícero mestres da comunicação de fala grega e latina respectivamente como
modelos deste padrão. Criticam-se os métodos de comunicação contemporâneos, mas
valem-se largamente de uma metodologia greco-romana. Tertuliano. Agostinho, Ambrósio
de Milão, Crisóstomo, Bussuet[4],
Calvino, Spurgeon, Withefield, Antonio Vieira entre outros foram grandes em
eloqüência e nas suas mensagens existe arte, beleza harmonia e organização do
material e uma dívida para com estes mestres da comunicação gregos e romanos. O
que para nós reformados seria uma dádiva da graça comum[5]!
Como eu sou coerente, creio que a graça comum ainda pode ser válida nos dias
atuais, a partir do criterioso estudo dos princípios de comunicação modernos.
Logo não confundo meio e mensagem e me valho de contribuições contemporâneas.
II - AS PESSOAS NÃO VÃO GRAVAR A MENSAGEM POR MEIO
DAS REPETIÇÕES, OU DAS INTERAÇÕES PESSOAIS. Discordo. Pesquisas
caminham precisamente na direção contrária. Estudos de andragogia e
psicocologia cognitiva[6] têm
demonstrado, que quanto mais um conteúdo é debatido, memorizado, e
problematizado maior a capacidade de retenção do conhecimento. Logo as
interações podem auxiliar nesta direção, da mesma maneira que uso de áudio-visual
e de narrativas. Um levantamento sobre os métodos dos grandes pregadores do
passado demonstrará que eles já antecipavam em suas prédicas muito do que
propõem as atuais metodologias de comunicação. Whitefield dramatizava suas
mensagens para atrair os interlocutores nas ruas da Inglaterra. Spurgeon tinha
uma generosa dose de humor em suas mensagens e nunca perdeu a reverencia por
isto. Lutero era um polemista de mão cheia e Agostinho além de exímio orador,
um gênio literário. Outra devemos nos valer das contribuições modernas sem
desmerecer os recursos que herdamos de nossos pais: leitura responsiva,
memorização de versículos, entre outros. São recursos pedagógicos e colaboram
para o objetivo maior: Anunciar a mensagem do evangelho. Entre a água suja da
bacia e o bebê eu ainda fico com o bebê!
III - ISTO É UMA FORMA DE ESCONDER SERMÕES RUINS E
SEM BASE BÍBLICA. Discordo. Existem mensagens ruins e sem base bíblica em
qualquer metodologia. Existem péssimas mensagens tradicionais, assim como
existem péssimas mensagens contemporâneas[7]. Igualmente existem excelentes mensagens com
homilética tradicional assim como existem excelentes mensagens com metodologias
contemporâneas de comunicação. Os melhores recursos de comunicação não
conseguem esconder uma mensagem ruim, sem fundamento. Se fossemos optar entre
conteúdo e forma deveríamos sempre optar pelo conteúdo. Se fossemos optar entre
verdade e beleza na exposição bíblica deveríamos sempre optar pela verdade. A
minha questão é que não precisamos optar podemos ficar com as duas!
IV – NÃO DEVERÍAMOS CONSTRANGER AS PESSOAS A INTERAGIREM E A SE CUMPRIMENTAREM. ESTAMOS NA IGREJA POR CAUSA DE DEUS E NÃO DAS PESSOAS. Discordo. Estou na igreja por causa do Senhor. A centralidade do culto e da adoração é a Deus por meio de Cristo, perfeitamente. Mas se eu entro e saio de uma igreja, sem demonstrar nenhuma afeição ou interação com a comunidade. Sem cumprimentar as pessoas em momento algum, sem viver o princípio da interação comunitária em nenhum sentido. Seria temerário este culto. E a alegada centralidade de Deus seria profundamente questionável, uma vez que, no afã de sermos zelosos do primeiro grande mandamento, poderíamos estar descumprindo o segundo grande mandamento. Pois o apóstolo João claramente nos interroga dizendo que se nós não amamos os irmãos a quem vemos como poderemos amar a Deus a quem não vemos? Sei que um pedido pastoral para que os irmãos se cumprimentem e interajam não vai gerar amor, e pode acabar gerando constrangimento. Mas pedagogicamente poderá ser útil para instruir uma geração individualista, e egocêntrica, da responsabilidade que temos com o outro perante Deus. Para não falar de pessoas que estão com relacionamentos quebrados, e mágoas com outros irmãos dentro da igreja, coexistindo no mesmo local de culto, que poderão ser constrangidos a refletir sobre sua condição, e da necessidade que tem de restaurar os seus relacionamentos, para que a adoração teocêntrica de fato seja uma realidade.
IV – NÃO DEVERÍAMOS CONSTRANGER AS PESSOAS A INTERAGIREM E A SE CUMPRIMENTAREM. ESTAMOS NA IGREJA POR CAUSA DE DEUS E NÃO DAS PESSOAS. Discordo. Estou na igreja por causa do Senhor. A centralidade do culto e da adoração é a Deus por meio de Cristo, perfeitamente. Mas se eu entro e saio de uma igreja, sem demonstrar nenhuma afeição ou interação com a comunidade. Sem cumprimentar as pessoas em momento algum, sem viver o princípio da interação comunitária em nenhum sentido. Seria temerário este culto. E a alegada centralidade de Deus seria profundamente questionável, uma vez que, no afã de sermos zelosos do primeiro grande mandamento, poderíamos estar descumprindo o segundo grande mandamento. Pois o apóstolo João claramente nos interroga dizendo que se nós não amamos os irmãos a quem vemos como poderemos amar a Deus a quem não vemos? Sei que um pedido pastoral para que os irmãos se cumprimentem e interajam não vai gerar amor, e pode acabar gerando constrangimento. Mas pedagogicamente poderá ser útil para instruir uma geração individualista, e egocêntrica, da responsabilidade que temos com o outro perante Deus. Para não falar de pessoas que estão com relacionamentos quebrados, e mágoas com outros irmãos dentro da igreja, coexistindo no mesmo local de culto, que poderão ser constrangidos a refletir sobre sua condição, e da necessidade que tem de restaurar os seus relacionamentos, para que a adoração teocêntrica de fato seja uma realidade.
V – NINGUÉM GOSTA DESTE TIPO DE ABORDAGEM. Discordo.
Se assim fosse às igrejas contemporâneas estariam vazias. Na verdade o
oposto ocorre. As pessoas têm necessidade de se expressar. O evangelho é
transcultural, mas possui sensibilidade cultural. Somos uma cultura latina, e
moramos num país tropical. Deveríamos considerar quem somos e onde estamos.
Para não incorrermos em anacronismo ou em erros de contextualização. O que eu
vejo na verdade. É que muitos de nós tentam impor os seus gostos pessoais a
toda comunidade chamando isto de tradição, verdade da escritura, principio
regulador ou qualquer outro nome que consideremos importante. Se eu
particularmente fosse impor o meu gosto pessoal na igreja, seria possível que
ainda estivéssemos em belas catedrais góticas cantando o canto gregoriano! Mas
não é assim que deve ser. Devo reconhecer o essencial e separá-lo do acessório.
Devo edificar a comunidade. Devo abrir mão do não essencial para edificação do
Corpo de Cristo, não abro mão da fé e da teologia, mas me abro para a forma e a
metodologia, sempre dentro dos limites da mesma teologia e fé, pois eu também
creio num princípio regulador.
VI – É O PRAGMATISMO ENTRANDO NA IGREJA. ISTO É
COISA DO MUNDO. Discordo. O pragmatismo
tem entrado na igreja independente de sua forma litúrgica ou da opção
homilética. O pragmatismo tem entrado na igreja devido ao declínio das
exposições bíblicas nos púlpitos, devido ao esfriamento da piedade pessoal de
seus membros e líderes, devido à futilidade que toma conta da vida de muitas
pessoas que se declaram povo de Deus. Pelo esvaziamento das reuniões de oração,
pelo desprestígio que a exposição bíblica vem recebendo, pela imoralidade que
tem sido considerada normal, pela incredulidade e apatia nos
púlpitos, gerada por uma metodologia que desconsidera a verdade
bíblica, ou por uma frieza e indiferença que leva as pessoas a entrarem e sairem da igreja da
mesma forma que entraram, sem me importar com o próximo. Então ao invés de
discutirmos formas, passemos a considerar vida e conteúdo, por favor! Manoel Delgado Jr.
[1]
Particularmente houve um vídeo específico, que usando a metododologia do humor
e utilizando uma dramatização, criticou esta pratica específica. Veja em https://www.youtube.com/watch?v=KIfosaQFdew
.Os argumentos aqui apresentados não se limitam ao vídeo em questão, mas
a críticas usuais que tem sido feitas a estas e a outras metodologias de
comunicação no sermão.
[2]
Por homilética me refiro a disciplina da teologia prática ocupada com a
metodologia de composição, organização do material bíblico-teológico e da
entrega da mensagem aos ouvintes, um livro de referência nesta área por muitos
anos foi do Reverendo Herculano Gouveia, Lições de Retórica Sagrada. Texto-base na formação de muitos pastores
presbiterianos. A dívida para com a retórica clássica já se faz sentir no
título da obra.
[3]
Cito a tradição reformada por ser a minha, mas poderia citar a ortodoxia de
qualquer outra tradição aqui: Metodista, Luterana, Batista, Pentecostal...
[4]
Neste ponto uso da retórica greco-romana cito oradores sacros sem distinção,
apenas para demonstrar o ponto-chave, uso da retórica greco-romana.
[5]
Desde os antigos teólogos patrísticos esta noção já se faz sentir, “Uma
verdade, onde quer que tenha sido dita, procede do Espírito Santo!”
[6]
Apenas a título de exemplo gostaria de citar a obra de Zezina Belan, Andragogia
em Ação, em que a autora aborda as formas como um adulto aprende. Belan, Zezina
Andragogia em Ação, Editora SOCEP.
[7]
Por tradicional aqui me refiro a forma homilética que neste artigo está em
contraposição a forma contemporânea de mensagens.
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