LEITURA - AS RAÍZES HISTÓRICAS DA NOSSA CRISE ECOLÓGICA (LYNN WHITE, JR.)
Resenha Crítica: "As Raízes Históricas da Nossa Crise Ecológica" de Lynn White, Jr.
Introdução
Lynn Townsend White Jr. (29 de abril de 1907 – 30 de março de 1987) foi um historiador americano com significativa contribuição para a história medieval e da tecnologia. Ele lecionou história medieval na Universidade de Princeton de 1933 a 1937 e na Universidade de Stanford de 1937 a 1943. White foi presidente do Mills College, em Oakland, de 1943 a 1958, e professor na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), de 1958 até sua morte em 1987.
White fundou a Society for the History of Technology (SHOT), presidindo-a de 1960 a 1962. Recebeu o Prêmio Pfizer da History of Science Society (HSS) por sua obra "Tecnologia Medieval e Mudança Social", além da Medalha Leonardo da Vinci e o prêmio Dexter da SHOT em 1964 e 1970. Foi presidente da History of Science Society (1971-1972), da Medieval Academy of America (1972-1973) e da American Historical Association (1973).
Além de suas contribuições acadêmicas, White foi fundamental na fundação do Center for Medieval and Renaissance Studies na UCLA em 1962. Ele também investigou a relação entre mito cristão e história cristã, questionando a visão estática do tempo-processo e a fusão de mito e história na tradição cristã.
Lynn White, Jr., em seu artigo seminal "As Raízes Históricas da Nossa Crise Ecológica", propõe que a crise ambiental moderna possua raízes profundas na visão antropocêntrica do Cristianismo ocidental. Segundo White, a atitude de domínio do homem sobre a natureza, incentivada por certos dogmas cristãos, contribuiu significativamente para as práticas que levaram à degradação ambiental. No entanto, essa visão suscita um debate importante sobre a singularidade humana, a responsabilidade ética decorrente dessa singularidade e a noção de pecado na teologia cristã.
Michael Turgeon, em seu trabalho sobre Lynn White, destaca que White revisou o desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos últimos milênios, identificando a Europa medieval como o ponto de partida para mudanças sociais profundas que estabeleceram tanto o mundo industrializado moderno quanto a atual crise ecológica alarmante. Um aspecto específico e influente que White aponta é a revolução na tecnologia agrícola, onde o acesso a arados que exigiam muitos bois e permitiam colheitas com alta eficiência levou os agricultores a reunir recursos e cultivar terras em extensões muito maiores. Isso marcou o fim da agricultura de subsistência, em que cada agricultor possuía apenas terra e recursos suficientes para sustentar sua família, passando para uma era onde ferramentas possibilitavam a exploração da terra além das necessidades pessoais. Avanços em áreas como construção, uso da água e maquinário também facilitaram a vida, mas romperam o equilíbrio ecológico delicado mantido por milênios. White enfatiza que a sociedade ocidental, em grande parte, ignorou as consequências ecológicas dessa expansão, cujos efeitos são sentidos intensamente no mundo moderno. A tese de White sintetiza que a razão do abuso descuidado do mundo natural pelo Ocidente reside em seus valores tradicionais judaico-cristãos, onde o homem, criado à imagem de Deus e com domínio sobre a Terra, vê a natureza apenas pelo valor utilitário que ela proporciona, justificando sua exploração desenfreada.
Resumo das Ideias de White
Dualismo Homem-Natureza
- White argumenta que o Cristianismo ocidental criou um dualismo entre o homem e a natureza, promovendo a ideia de que a natureza existe para servir os propósitos humanos. Essa visão justificou a exploração desenfreada do meio ambiente.
- "O Cristianismo, especialmente na sua forma ocidental, é a religião mais antropocêntrica que o mundo alguma vez teve ocasião de testemunhar... a vontade de Deus que o homem se aproveite da Natureza para atingir os seus próprios fins."
Impacto da Ciência e Tecnologia
- White destaca que a fusão de ciência e tecnologia no Ocidente, especialmente após a Revolução Industrial, exacerbou a crise ecológica. Essa união permitiu uma manipulação sem precedentes da natureza.
- "A ciência moderna é uma extrapolação da teologia natural... A nossa ciência e a nossa tecnologia já não se enquadram nas atitudes cristãs face à relação do homem com a Natureza."
Alternativa Franciscana
- Como solução, White sugere uma revisão das atitudes cristãs em relação à natureza, inspirando-se em São Francisco de Assis, que pregava a humildade e o respeito por todas as criaturas.
- "São Francisco tentou depor o homem da sua monarquia face à criação e estabeleceu uma democracia para todas as criaturas de Deus."
Crítica à Visão de White
Embora a análise de White sobre a influência do Cristianismo ocidental seja perspicaz, há algumas questões importantes a serem consideradas:
Singularidade Humana
- A crítica de White ao dualismo homem-natureza parece ignorar a singularidade humana. Humanos são únicos em sua capacidade de autoconsciência, desenvolvimento cultural e capacidade de modificar significativamente o ambiente. Reconhecer essa singularidade não é negar a responsabilidade ambiental, mas sim entender que nossa capacidade única nos impõe um dever ético de cuidar da criação (natureza).
- "Os animais não têm a capacidade de construção e autodestruição na mesma medida que os humanos."
Responsabilidade e Ética Ambiental
- A singularidade humana implica uma responsabilidade acrescida em relação ao meio ambiente. Em vez de ver a superioridade humana como um direito de dominar, devemos vê-la como um chamado para proteger e preservar a criação (natureza).
Pecado e Propósito Criacional
- A noção de pecado na teologia cristã acrescenta uma perspectiva importante: a destruição do meio ambiente é resultado da desobediência ao propósito criacional de Deus, e não da sua concordância. O pecado representa a quebra da harmonia original, levando à exploração predatória da natureza.
- "A destruição do meio ambiente é decorrente da desobediência ao propósito criacional, e não a uma estrita concordância com o mesmo."
Secularização e Cientificismo
- White atribui a crise ecológica ao projeto da ciência moderna, que ele vê como um impulsionador da destruição ambiental. No entanto, essa visão pode ser considerada uma consequência da secularização e do cientificismo, que se desconectaram da tradição religiosa judaico-cristã ocidental. A busca por uma ideia funcionalista e predatória do ambiente reflete uma ruptura com a ética e valores religiosos, pois, o projeto da ciência moderna... é fruto de um pensamento que busca viver uma ideia funcionalista e predatória com o ambiente, e parte justamente da secularização e cientificismo que consiste na desconexão com a tradição religiosa judaico-cristã ocidental."
Conclusão
O artigo de Lynn White, Jr. levanta questões fundamentais sobre as raízes históricas da crise ecológica e a influência do Cristianismo ocidental. No entanto, ao criticar a visão antropocêntrica, é crucial reconhecer a singularidade humana e a responsabilidade que dela decorre. A proposta de uma ética inspirada em São Francisco de Assis pode oferecer um caminho valioso para uma relação mais equilibrada e sustentável com a natureza, sem negar as capacidades únicas dos seres humanos. Em última análise, a crise ecológica exige uma profunda avaliação de nossas atitudes e práticas, incorporando tanto a responsabilidade ética quanto a interdependência com o meio ambiente. Reconhecer que a destruição ambiental é fruto da desobediência ao propósito criacional e da secularização do pensamento científico é fundamental para encontrarmos soluções mais integradas e éticas.
Em que pese as objeções ao pensamento e críticas apresentada por White, a avaliação de seu artigo, é muito importante para a reflexão e análise sobre a relação entre teologia, ecologia e educação ambiental.
Referência
White, Lynn. "The historical roots of our ecologic crisis [with discussion of St Francis; reprint, 1967]," Ecology and religion in history, (New York: Harper and Row, 1974). Disponível em: https://paulo-loucao.blogspot.com/2013/05/as-raizes-historicas-da-nossa-crise.html
Turgeon, Michael. "Retrato de Lynn White". Michael Turgeon foi bolsista de Ética Ambiental de 2016-2017 no Markkula Center for Applied Ethics. Disponível em: https://www.scu.edu/environmental-ethics/environmental-activists-heroes-and-martyrs/lynn-white.html
White, L. (1974). The historical roots of our ecologic
crisis. In Ecology and religion in history (pp. 15-31).
Springer.
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