LEITURA - AZORRAGUE: OS CONFLITOS DE CRISTO COM AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS. ANTONIO CARLOS COSTA.
RESENHA.
COSTA, Antonio C. Azorrague: Os conflitos de Cristo com as
instituições religiosas. Ed. Mundo Cristão. São Paulo 2018. 270p.

Perspectiva
teórica da obra. Azorrague
é uma obra profunda, perturbadora e eloquente. Nela o autor
apresenta
uma crítica aos
desvios das
instituições religiosas evangélicas
brasileiras,
elaboradas
a partir da exposição dos conflitos de Jesus com
os
partidos religiosos do judaísmo do primeiro século, em especial os
fariseus e saduceus que constituíam a base das instituições
religiosas
judaicas. Antônio Carlos em cada capítulo desta obra seleciona,
expõe e aprofunda uma
determinada
passagem
bíblica,
no que poderíamos denominar de método do sermão estendido3,
e a partir desta abordagem, Costa extrai o precioso substrato para as
suas pertinentes análises e assertivas aplicações ao cenário
evangélico brasileiro. Neste itinerário, o autor demonstra erudição
ao dialogar com pensadores de diversos saberes que transitam da
psicanálise, às
ciências sociais e literatura, tornando a obra densa, relevante e
abrangente.
Breve
síntese e
principais
teses desenvolvidas na obra. A
obra está organizada com uma
introdução,
cinco capítulos e conclusão, e um
prefácio
da lavra do Dr. Luis Sayão e
apresentação da obra por Maurício Zágari editor da Mundo Cristão.
As notas de cada capítulo, são apresentados no final do livro.
Na
introdução
(p.19-28), o autor apresenta o objetivo geral do seu empreendimento
dedicando grande parte
desta
seção para a reafirmação
do valor da igreja
como instituição. Assim,
demonstra que as críticas desenvolvidas não visam legitimar o
afastamento da
igreja institucional, mas sim, servem
de alerta para que
ninguém seja prejudicado no ambiente
eclesiástico, por um espírito avesso ao evangelho.
No
capítulo 01, “Cristo e o moralismo religioso de seu
tempo.”(p.29-61).
Costa,
a partir da exposição de João 8.1-11. Na
conhecida
passagem sobre a mulher apanhada
em flagrante adultério,
o
autor
apresenta o risco que o moralismo religioso representa para a
verdadeira espiritualidade. A igreja pode se tornar o ambiente onde
proliferam líderes religiosos vaidosos, manipuladores e moralistas,
e o local onde psicopatologias religiosas
são
desenvolvidas,
causando dano aos que transitam no ambiente eclesiástico.
O
antídoto contra estes males é encontrado no evangelho de Jesus
Cristo. É preciso distinguir a genuína pregação do evangelho, do
que
o autor denomina de
moralismo sem alma.
No Capítulo 02, “Cristo e a tradição religiosa socialmente
construída.”
(p.62-115).
A
partir da exposição de Marcos
7.1-23, Costa
apresenta como as
tradições religiosas podem assumir o lugar da
verdadeira espiritualidade
e
genuíno
conhecimento
de Deus.
Os fariseus em nome de sua tradição religiosa, desconsideravam os
mais elevados preceitos da Lei,
sendo
totalmente
alheios ao espírito (Ethos)
e
propósito (Telos)
de
sua instituição.
Este alerta de Cristo é permanente, pois corremos o risco de
tornarmos
gradualmente
o secundário, em
essencial,
somos
suscetíveis a
fabricarmos tradições e
aparatos
que não possuem relação alguma
com o
evangelho.
Para
o autor, é preciso discernir o evangelho da tradição dos homens.
Já no
Capítulo 03,
“Cristo e a religião sem
alma.”(p.116-165). Lucas 10.25-37. Costa
considera que nesta passagem, ao escolher o Sacerdote e o Levita como
exemplos negativos, Cristo apresenta a sua mais contundente crítica
contra os líderes religiosos do Judaísmo em seus dias. Se a
religiosidade destes líderes, era incapaz de manifestar
compaixão
se
comprovaria
inútil.
De
igual forma ao escolher um samaritano, como modelo de sua própria
atuação ministerial, Jesus criticou
o
conceito limitado da misericórdia praticado
no judaísmo farisaico,
demonstrando que a compaixão
Deus, expressa na ordenança amarás o teu próximo, se
estende a todo o gênero humano.
No
Capítulo 04,
“Cristo e os líderes religiosos do mal.” (p.167-223). Expõe
o discurso de Jesus contra os Escribas e Fariseus registrado em
Mateus 23.1-39 e
partir deste faz considerações sobre os danos causados por
lideranças hipócritas e perversas.
No
Capítulo 05,
“Cristo e o grande pecado da religião.”(p.169-251) Baseado
na parábola do publicano e do pecador segundo
o evangelho
Lucas 18.9-14 demonstra-se
como o orgulho e o auto-engano são perigosos no ambiente religioso.
A justificação pela fé representa o extremo oposto deste pecado. E
na conclusão (p.253-255), Costa
faz as suas considerações finais e descreve o desafio de escrever
uma obra desta natureza.
Reflexão
crítica sobre a
obra e implicações para o ministério.
A
obra apresenta
alguns
paralelos
com o livro Covil 4
de
Uedson de Souza Vieira, obra
independente, onde
críticas similares são apresentadas
a
igreja institucional
tendo os evangelhos como
referencial.
Ao ponderar sobre estas obras
fui tomado por um pensamento: “Nenhuma
crítica é tão forte e contundente quanto uma autocrítica.” Este
princípio se aplica, igalmente
a outros movimentos e instituições.
Um dos maiores críticos do catolicismo contemporâneo foi Hans Küng,
um sacerdote
católico romano
que serviu como perito no concílio Vaticano II, sendo
um dos principais teólogos católicos antes de sofrer sanções de
Roma, ele
é autor de uma contundente obra5
onde defende
os locais que,
em sua visão, o Catolicismo deveria ser reformado.
Milovan Dijlas, um escritor Iugoslavo, fez uma das mais contundentes
críticas ao regime comunista em seu país. Dijlas fez esta
crítica ao
escrever o livro “Uma nova classe.”6
onde
procura
demonstrar
“a partir de dentro”, as suas contradições e ineficiência
prática.
Jesus,
como Antônio Carlos tão bem demonstrou, veio para os que eram seus,
mas os seus, leia-se
os grupos religiosos do judaísmo oficial,
não o receberam. Obras críticas,
como estas,
escritas
por pastores e
líderes
a
partir da experiência ministerial,
são importantes
contribuições
para
a reforma
e revitalização do
ministério,
pois
possibilitam
reflexão pessoal,
e o confronto necessário, para a correção de práticas e rumos.
Em
minha análise, faltaram a demonstração
e
exposição
das
críticas
de Jesus aos demais grupos sociais
e
religiosos de
seu tempo,
em especial dos
Herodianos, e Zelotes. Certamente esta análise, traria mais justiça
ao evento Jesus Cristo, seu
movimento,
e as suas críticas ao Judaísmo de seu tempo, possibilitando
novas
aplicações
e
pertinentes
ao cenário evangélico
brasileiro que
vive um período de polarização.
Finalizo
a presente,
dizendo que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente
o autor
por
ocasião de uma conferência ministrada em Cuiabá, desde então,
tenho
acompanhado
com certo
entusiasmo as suas variadas
publicações e
iniciativas
ministeriais. É perceptivo que o ministério do Pastor Antônio
Carlos Costa teve uma guinada nos últimos anos7,
sendo possível
perceber
duas fases distintas em seu ministério, ou ao menos, duas etapas
claramente discerníveis de uma mesma trajetória. A etapa avivalista
onde a ênfase do autor esteve mais associada ao estudo dos teólogos
calvinistas avivalistas e
puritanos,
entre os quais poderíamos mencionar principalmente Jhonatan Edwards,
e Martin Lloyd Jones, nesta fase nota-se uma busca ativa por
avivamento, batismo com Espírito Santo, e vida cristã e esta nova
etapa mais voltada para a militância social, ativismo em favor dos
direitos humanos, adoção de estratégias de mobilização da
sociedade civil. Nesta fase é evidente a influência de teólogos,
pensadores e ativistas ligados aos direitos humanos e movimentos
da sociedade
civil organizada,
a saber Martin Luther King, Dietrich Bonhoeffer entre outros.
O
que dizer? Rev. Antônio Carlos é muito intenso e relevante em cada
uma de suas fases ministeriais, e penso que estas ênfases dialoguem
na vida e ministério do autor, havendo grande proveito devido a sua
integridade pessoal, coerência
de vida,
intensidade e devoção, porém confesso que sinto falta do Antônio
Carlos da primeira fase, pois, particularmente,
tenho dúvidas se o nosso papel como pastores, consistiria em
assumirmos o protagonismo destas causas sociais, em lugar do povo, ou
se a nossa missão, não seria a de fomentarmos pela
instrumentalidade do ministério pastoral, e meios de graça, pessoas
mais cheias da presença de Deus, que por sua vez, tomados desta
santa presença e
visão gloriosa
viessem a transformar o mundo pelo poder do Espírito Santo. Em
outras palavras, questiono se a troca da
ênfase por
avivamento, por ativismo social, ainda
que bem fundamentado,
não consistiria numa equivocada troca do direito de primogenitura,
por um prato de lentilhas?
O
autor na conclusão afirma que de todos os seus livros, este foi o
mais difícil de ser escrito.
Para
nós leitores, a experiência não é distinta.
É
impossível lermos
uma
obra como
esta,
sem que
seja
desencadeada
uma
profunda autoanálise e revisão de vida. Neste sentido, recomendo a
obra sem reservas.
Que
o Senhor abençoe o Rev. Antônio Carlos Costa, por sua proveitosa
análise e autocrítica ao cenário evangélico contemporâneo. Que
ele como
ministro do evangelho e líder eclesiástico
encontre o caminho da
fidelidade e serviço de Cristo nosso Senhor e mestre,
e nós também!
1As
dimensões da Espiritualidade Reformada, Pai o Deus Cristão, A
Certeza da Inspiração, O Sucesso Segundo Deus, O Amor dos
Redimidos, As Razões da Esperança, Enquanto o sonho não nasce, A
Infinita Sede do Ser, O Único lugar de repouso da alma, O
Verdadeiro Conhecimento de Deus, Convulsão protestante, Teologia Da
Trincheira. https://pt.wikipedia.org/wiki/Antônio_Carlos_Costa
acessado em 03/01/2020
2https://www.youtube.com/user/palavraplenaTV/about
acessado em 03/01/2020
3O
que não constitui crítica ou demérito, uma vez que o autor é um
dos mais destacados pregadores expositivos do cenário evangélico
nacional.
4VIEIRA,
Uedson Souza, Covil. 2011.
5KÜNG,
Hans, A Igreja tem Salvação? São Paulo, Editora Paulus. 2012.
Veja também: Hans Küng, o teólogo crítico, completa 90 anos.
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576886-hans-kueng-o-teologo-critico-completa-90-anos
acessado 20/01/2020.
6DJLAS,
Milovan, Uma Nova Classe. Ed. Agir 1958. - Djilas foi um dos líderes
dissidentes do Partido Comunista da Iugulávia, e as suas críticas
ao Comunismo Stanilista, e Iuguslávo, são clássicas e amplamente
conhecidas. Veja também, CALCA, Patrícia. A elite vista de dentro.
uma análise à Nova Classe Dirigente de Milovan Djilas, Revista
População e Sociedade, CEPESE, Porto, vol. 20, 2012, p. 185 –
201.
7O
próprio autor registra esta mudança, que se deu por volta do ano
de 2007, por volta dos 45 anos de idade quando teria abraçado a
causa dos direitos humanos. p.67
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