LEITURA - AZORRAGUE: OS CONFLITOS DE CRISTO COM AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS. ANTONIO CARLOS COSTA.

RESENHA. COSTA, Antonio C. Azorrague: Os conflitos de Cristo com as instituições religiosas. Ed. Mundo Cristão. São Paulo 2018. 270p.
Apresentação do/a autor/a da obra. Rev. Antônio Carlos Costa. Teólogo, jornalista e ativista social. Plantador da Igreja Presbiteriana da Barra (Rio de Janeiro) e fundador da ONG Rio de Paz. Possui mestrado em Teologia Histórica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, no Instituto Presbiteriano Mackenzie e é doutorando em Teologia pela Faculté Libre de Théologie Réformée, França. Autor de diversas obras1. Nascido no Rio de Janeiro em 1962. Casado com Adriany. Pai de três filhos: Pedro, Matheus e Alyssa. 2
Perspectiva teórica da obra. Azorrague é uma obra profunda, perturbadora e eloquente. Nela o autor apresenta uma crítica aos desvios das instituições religiosas evangélicas brasileiras, elaboradas a partir da exposição dos conflitos de Jesus com os partidos religiosos do judaísmo do primeiro século, em especial os fariseus e saduceus que constituíam a base das instituições religiosas judaicas. Antônio Carlos em cada capítulo desta obra seleciona, expõe e aprofunda uma determinada passagem bíblica, no que poderíamos denominar de método do sermão estendido3, e a partir desta abordagem, Costa extrai o precioso substrato para as suas pertinentes análises e assertivas aplicações ao cenário evangélico brasileiro. Neste itinerário, o autor demonstra erudição ao dialogar com pensadores de diversos saberes que transitam da psicanálise, às ciências sociais e literatura, tornando a obra densa, relevante e abrangente.
Breve síntese e principais teses desenvolvidas na obra. A obra está organizada com uma introdução, cinco capítulos e conclusão, e um prefácio da lavra do Dr. Luis Sayão e apresentação da obra por Maurício Zágari editor da Mundo Cristão. As notas de cada capítulo, são apresentados no final do livro. Na introdução (p.19-28), o autor apresenta o objetivo geral do seu empreendimento dedicando grande parte desta seção para a reafirmação do valor da igreja como instituição. Assim, demonstra que as críticas desenvolvidas não visam legitimar o afastamento da igreja institucional, mas sim, servem de alerta para que ninguém seja prejudicado no ambiente eclesiástico, por um espírito avesso ao evangelho. No capítulo 01, “Cristo e o moralismo religioso de seu tempo.”(p.29-61). Costa, a partir da exposição de João 8.1-11. Na conhecida passagem sobre a mulher apanhada em flagrante adultério, o autor apresenta o risco que o moralismo religioso representa para a verdadeira espiritualidade. A igreja pode se tornar o ambiente onde proliferam líderes religiosos vaidosos, manipuladores e moralistas, e o local onde psicopatologias religiosas são desenvolvidas, causando dano aos que transitam no ambiente eclesiástico. O antídoto contra estes males é encontrado no evangelho de Jesus Cristo. É preciso distinguir a genuína pregação do evangelho, do que o autor denomina de moralismo sem alma. No Capítulo 02, “Cristo e a tradição religiosa socialmente construída.” (p.62-115). A partir da exposição de Marcos 7.1-23, Costa apresenta como as tradições religiosas podem assumir o lugar da verdadeira espiritualidade e genuíno conhecimento de Deus. Os fariseus em nome de sua tradição religiosa, desconsideravam os mais elevados preceitos da Lei, sendo totalmente alheios ao espírito (Ethos) e propósito (Telos) de sua instituição. Este alerta de Cristo é permanente, pois corremos o risco de tornarmos gradualmente o secundário, em essencial, somos suscetíveis a fabricarmos tradições e aparatos que não possuem relação alguma com o evangelho. Para o autor, é preciso discernir o evangelho da tradição dos homens. Já no Capítulo 03, “Cristo e a religião sem alma.”(p.116-165). Lucas 10.25-37. Costa considera que nesta passagem, ao escolher o Sacerdote e o Levita como exemplos negativos, Cristo apresenta a sua mais contundente crítica contra os líderes religiosos do Judaísmo em seus dias. Se a religiosidade destes líderes, era incapaz de manifestar compaixão se comprovaria inútil. De igual forma ao escolher um samaritano, como modelo de sua própria atuação ministerial, Jesus criticou o conceito limitado da misericórdia praticado no judaísmo farisaico, demonstrando que a compaixão Deus, expressa na ordenança amarás o teu próximo, se estende a todo o gênero humano. No Capítulo 04, “Cristo e os líderes religiosos do mal.” (p.167-223). Expõe o discurso de Jesus contra os Escribas e Fariseus registrado em Mateus 23.1-39 e partir deste faz considerações sobre os danos causados por lideranças hipócritas e perversas. No Capítulo 05, “Cristo e o grande pecado da religião.”(p.169-251) Baseado na parábola do publicano e do pecador segundo o evangelho Lucas 18.9-14 demonstra-se como o orgulho e o auto-engano são perigosos no ambiente religioso. A justificação pela fé representa o extremo oposto deste pecado. E na conclusão (p.253-255), Costa faz as suas considerações finais e descreve o desafio de escrever uma obra desta natureza.
Reflexão crítica sobre a obra e implicações para o ministério. A obra apresenta alguns paralelos com o livro Covil 4 de Uedson de Souza Vieira, obra independente, onde críticas similares são apresentadas a igreja institucional tendo os evangelhos como referencial. Ao ponderar sobre estas obras fui tomado por um pensamento: Nenhuma crítica é tão forte e contundente quanto uma autocrítica.” Este princípio se aplica, igalmente a outros movimentos e instituições. Um dos maiores críticos do catolicismo contemporâneo foi Hans Küng, um sacerdote católico romano que serviu como perito no concílio Vaticano II, sendo um dos principais teólogos católicos antes de sofrer sanções de Roma, ele é autor de uma contundente obra5 onde defende os locais que, em sua visão, o Catolicismo deveria ser reformado. Milovan Dijlas, um escritor Iugoslavo, fez uma das mais contundentes críticas ao regime comunista em seu país. Dijlas fez esta crítica ao escrever o livro “Uma nova classe.”6 onde procura demonstrar “a partir de dentro”, as suas contradições e ineficiência prática.
Jesus, como Antônio Carlos tão bem demonstrou, veio para os que eram seus, mas os seus, leia-se os grupos religiosos do judaísmo oficial, não o receberam. Obras críticas, como estas, escritas por pastores e líderes a partir da experiência ministerial, são importantes contribuições para a reforma e revitalização do ministério, pois possibilitam reflexão pessoal, e o confronto necessário, para a correção de práticas e rumos.
Em minha análise, faltaram a demonstração e exposição das críticas de Jesus aos demais grupos sociais e religiosos de seu tempo, em especial dos Herodianos, e Zelotes. Certamente esta análise, traria mais justiça ao evento Jesus Cristo, seu movimento, e as suas críticas ao Judaísmo de seu tempo, possibilitando novas aplicações e pertinentes ao cenário evangélico brasileiro que vive um período de polarização.
Finalizo a presente, dizendo que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o autor por ocasião de uma conferência ministrada em Cuiabá, desde então, tenho acompanhado com certo entusiasmo as suas variadas publicações e iniciativas ministeriais. É perceptivo que o ministério do Pastor Antônio Carlos Costa teve uma guinada nos últimos anos7, sendo possível perceber duas fases distintas em seu ministério, ou ao menos, duas etapas claramente discerníveis de uma mesma trajetória. A etapa avivalista onde a ênfase do autor esteve mais associada ao estudo dos teólogos calvinistas avivalistas e puritanos, entre os quais poderíamos mencionar principalmente Jhonatan Edwards, e Martin Lloyd Jones, nesta fase nota-se uma busca ativa por avivamento, batismo com Espírito Santo, e vida cristã e esta nova etapa mais voltada para a militância social, ativismo em favor dos direitos humanos, adoção de estratégias de mobilização da sociedade civil. Nesta fase é evidente a influência de teólogos, pensadores e ativistas ligados aos direitos humanos e movimentos da sociedade civil organizada, a saber Martin Luther King, Dietrich Bonhoeffer entre outros.
O que dizer? Rev. Antônio Carlos é muito intenso e relevante em cada uma de suas fases ministeriais, e penso que estas ênfases dialoguem na vida e ministério do autor, havendo grande proveito devido a sua integridade pessoal, coerência de vida, intensidade e devoção, porém confesso que sinto falta do Antônio Carlos da primeira fase, pois, particularmente, tenho dúvidas se o nosso papel como pastores, consistiria em assumirmos o protagonismo destas causas sociais, em lugar do povo, ou se a nossa missão, não seria a de fomentarmos pela instrumentalidade do ministério pastoral, e meios de graça, pessoas mais cheias da presença de Deus, que por sua vez, tomados desta santa presença e visão gloriosa viessem a transformar o mundo pelo poder do Espírito Santo. Em outras palavras, questiono se a troca da ênfase por avivamento, por ativismo social, ainda que bem fundamentado, não consistiria numa equivocada troca do direito de primogenitura, por um prato de lentilhas?
O autor na conclusão afirma que de todos os seus livros, este foi o mais difícil de ser escrito. Para nós leitores, a experiência não é distinta. É impossível lermos uma obra como esta, sem que seja desencadeada uma profunda autoanálise e revisão de vida. Neste sentido, recomendo a obra sem reservas.
Que o Senhor abençoe o Rev. Antônio Carlos Costa, por sua proveitosa análise e autocrítica ao cenário evangélico contemporâneo. Que ele como ministro do evangelho e líder eclesiástico encontre o caminho da fidelidade e serviço de Cristo nosso Senhor e mestre, e nós também!

1As dimensões da Espiritualidade Reformada, Pai o Deus Cristão, A Certeza da Inspiração, O Sucesso Segundo Deus, O Amor dos Redimidos, As Razões da Esperança, Enquanto o sonho não nasce, A Infinita Sede do Ser, O Único lugar de repouso da alma, O Verdadeiro Conhecimento de Deus, Convulsão protestante, Teologia Da Trincheira. https://pt.wikipedia.org/wiki/Antônio_Carlos_Costa acessado em 03/01/2020
3O que não constitui crítica ou demérito, uma vez que o autor é um dos mais destacados pregadores expositivos do cenário evangélico nacional.
4VIEIRA, Uedson Souza, Covil. 2011.
5KÜNG, Hans, A Igreja tem Salvação? São Paulo, Editora Paulus. 2012. Veja também: Hans Küng, o teólogo crítico, completa 90 anos. http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/576886-hans-kueng-o-teologo-critico-completa-90-anos acessado 20/01/2020.
6DJLAS, Milovan, Uma Nova Classe. Ed. Agir 1958. - Djilas foi um dos líderes dissidentes do Partido Comunista da Iugulávia, e as suas críticas ao Comunismo Stanilista, e Iuguslávo, são clássicas e amplamente conhecidas. Veja também, CALCA, Patrícia. A elite vista de dentro. uma análise à Nova Classe Dirigente de Milovan Djilas, Revista População e Sociedade, CEPESE, Porto, vol. 20, 2012, p. 185 – 201.
7O próprio autor registra esta mudança, que se deu por volta do ano de 2007, por volta dos 45 anos de idade quando teria abraçado a causa dos direitos humanos. p.67

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