POESIA - BUSCANDO O CRISTO CRUCIFICADO.
Resenha - Gregório de Matos Guerra: Entre o Inferno e o Céu da Poesia Barroca
Gregório de Matos Guerra, o célebre “Boca do Inferno”, é frequentemente lembrado por sua verve satírica e corrosiva, que desnudava os vícios da sociedade baiana colonial com uma língua afiada e um olhar implacável. No entanto, limitar sua obra à crítica mordaz é negligenciar uma faceta igualmente poderosa e arrebatadora: sua poesia sacra, onde o barroco se revela em toda sua complexidade espiritual e estética.
🕊️ A Paradoxal Vivência Cristã no Barroco
O Barroco, como movimento artístico e literário, é marcado pela tensão entre opostos: fé e pecado, corpo e alma, céu e terra. Gregório de Matos encarna essa dualidade com maestria. Em seus sonetos religiosos, o poeta não apenas lamenta seus pecados, mas os expõe com uma sinceridade brutal, buscando redenção através da linguagem. Cristo, nesses versos, não é apenas símbolo de salvação, mas figura sublime, quase tangível, que se torna interlocutor direto do poeta.
A poesia sacra de Gregório é profundamente marcada pelo conceito de contrição, onde o eu lírico se humilha diante da divindade, reconhecendo sua miséria espiritual. Essa vivência cristã paradoxal — pecador que ama a Deus, alma que deseja o céu mas se arrasta pelo barro da carne — é o coração pulsante do barroco brasileiro.
📜 Contexto Colonial: Fé, Poder e Contradição
Gregório viveu no século XVII, em Salvador, então capital do Brasil Colônia. Nasceu em 23 de dezembro de 1636, em Salvador, na então Capitania da Bahia, e faleceu em 26 de novembro de 1696, em Recife, na Capitania de Pernambuco. Era uma sociedade profundamente marcada pela religiosidade católica, mas também pela corrupção, desigualdade e hipocrisia. O poeta, formado em Direito em Coimbra, retornou ao Brasil e ocupou cargos eclesiásticos, mas recusou-se a seguir as ordens maiores, o que o colocou em conflito com a Igreja.
Sua poesia sacra, portanto, não nasce de uma devoção ingênua, mas de uma experiência vivida entre o poder e a fé, entre o escárnio e o arrependimento. É nesse cenário que Gregório constrói uma obra que transcende o tempo, revelando a alma colonial em sua luta entre o pecado e a salvação.
🌹 A Beleza Arrebatadora da Poesia Sacra
Nos sonetos sacros, Gregório revela uma sensibilidade lírica que rivaliza com os grandes poetas místicos. Cristo é descrito com imagens de luz, dor e amor redentor. A linguagem, embora rebuscada e cheia de jogos de palavras — como exige o estilo barroco —, não perde a emoção genuína. Há uma beleza que nasce da dor, uma estética que se constrói sobre o arrependimento e a esperança.
Um exemplo disso é o soneto em que o poeta contempla o Cristo crucificado, não como figura distante, mas como presença viva que o interpela. A poesia se torna oração, confissão e súplica. É nesse espaço que Gregório deixa de ser apenas o Boca do Inferno e se revela como um dos maiores poetas sacros da língua portuguesa.

Comentários
Postar um comentário