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João Calvino |
Abstract:
Este
artigo explora a doutrina do presbiterato na teologia de João Calvino, com base
em sua obra "Institutas da Religião Cristã". Abordam-se temas como a
distinção entre ofícios ordinários e extraordinários, a vocação interna e
externa, a função dos presbíteros regentes e docentes, e o rito da ordenação. O
artigo também destaca a relevância da teologia de Calvino para a igreja
contemporânea.
Palavras-chave:
Presbiterato, João Calvino, Institutas da Religião Cristã, ofícios
eclesiásticos, vocação.
Introdução.
A doutrina do presbiterato ocupa um lugar central na teologia de João
Calvino, conforme exposta em sua obra seminal "Institutas da Religião
Cristã". Neste artigo, exploraremos os principais aspectos dessa doutrina,
examinando a visão de Calvino sobre os ofícios dos presbíteros, sua vocação e
ordenação, suas funções na igreja e sua relação com outros líderes
eclesiásticos.
Ao longo da história, a teologia de Calvino sobre o
presbiterato influenciou profundamente a tradição reformada, moldando a estrutura
de governo de diversas denominações protestantes. Além disso, seus princípios
sobre a participação dos leigos na vida da igreja deixaram uma marca indelével
nas instituições ocidentais, contribuindo para o desenvolvimento da democracia
moderna e da liberdade religiosa.
Este artigo busca oferecer uma análise clara e concisa da doutrina do
presbiterato em Calvino, destacando sua relevância para a igreja contemporânea.
Através do estudo de suas ideias, podemos discernir os princípios que norteiam
a vida e a missão da igreja, bem como os desafios que ela enfrenta em um mundo
em constante mudança.
Como o pensamento do Reformador de
Genebra é alvo de grandes discussões e como a sua obra é grande e vasta tivemos
que fazer um recorte metodológico para definir o seu pensamento. Por esta razão
decidimos nos ater as suas Institutas por entendermos que nela está à essência
do seu pensamento e a sua reflexão mais apurada acerca do que ele entendia ser
a religião cristã. As constantes reedições da obra apontam para o fato que a
medida que o conhecimento bíblico e exegético do reformador se desenvolviam ele
amadurecia as declarações contidas nesta obra.[1]
Para maior precisão ainda acerca do
material a ser discutido apresentaremos em linhas gerais as posições do
reformador apresentadas no seu livro 4 capitulo III capítulo nomeado: “Dos Mestres e Ministros da igreja sua eleição e Ofício” [2]
O texto base de Calvino é o de
Efésios 4:11 e desta passagem bem como de outras correlatas ele tece as
considerações a seguir:
1.
Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores e Mestres são os ofícios que Deus
estabeleceu para o governo da Igreja sendo os três primeiros extraordinários e
os dois últimos ordinários.
Para
Calvino, estes ofícios são divididos em ordinários e extraordinários. Embora
ele na sua abertura do assunto afirme a centralidade de Cristo, e a sua exclusiva
soberania, reconhece, porém, que Deus nos usa como instrumentos da sua soberana
vontade a seguir ele discorre sobre o fato de que Deus se assim o desejasse
poderia ter escolhido
os anjos para tais incumbências ou ainda poderia ter optado por trabalhar
sozinho, sem nos usar. Ele vê ai motivo para que os servos de Cristo se alegrem,
uma vez que a eles o Senhor demonstrou especial consideração em haver escolhido
usá-los. [3]Ao
falar sobre os ofícios ele diz o seguinte:
“Aqueles que presidem ao governo da Igreja, segundo a
instituição de Cristo, são chamados por Paulo (Efésios 4:11), primeiro
Apóstolos, em seguida Profetas, terceiro Evangelistas, quarto Pastores,
finalmente Mestres dos quais apenas os dois últimos tem função ordinária na
Igreja; os outros três o Senhor suscitou no início do Seu Reino, e suscita
ainda por vezes, conforme o postula a necessidade dos tempos.” [4]
Vale a pena ainda ressaltar que para
Calvino estes três primeiros ofícios poderiam ser vistos ainda por vezes na
história da Igreja e até mesmo nos dias da reforma. Contudo, ele diz que a
dignidade dos 12 e de Paulo era superior a de todos os outros apóstolos[5].
Sobre isto ele diz:
“Segundo a mim me parece consentânea tanto às palavras
quanto a opinião de Paulo, essas três funções não foram por isto instituída na
Igreja, que fossem perpétuas, mas apenas para esse tempo em que deveriam ser
implantadas Igrejas onde nenhumas havia antes existido, ou tinham certamente,
de ser transpostas de Moisés para Cristo. Se bem que não nego que, aos depois
também Apóstolos, ou pelo menos evangelistas no lugar deles haja Deus
suscitado, como ocorreu em nosso tempo. Pois de tais foi mister que da defecção
do Anticristo a igreja de volta reconduzissem.Contudo, ao próprio múnus, entretanto chamo extraordinário, por quanto não tem ele lugar nas igrejas
regularmente constituídas.”[6]
Assim,
para Calvino, os ofícios ordinários são ofícios de manutenção da ordem e para a
edificação da Igreja, ao passo que os ofícios extraordinários são para as áreas
“em que deveriam ser implantadas Igrejas
onde nenhumas havia antes existido”. E por esta razão poderiam ser chamados
de ofícios ligados à plantação de Igrejas, ou ainda a restauração das Igrejas
em caso de reformas profundas como a do século XVI.
2. Os 12 e junto
a eles Paulo tem dignidade especial no ofício apostólico.
Calvino, ao sugerir a contemporaneidade
de ofícios como o Apostólico, por exemplo, faz uma importante ressalva no que
concerne a este ofício. Para ele a ordem e a dignidade dos Doze e de Paulo pode
ser considerada superior a dos demais apóstolos e a de todos os ofícios. Embora
muitas semelhanças houvesse entre eles, para Calvino:
“Temos assim quais ministérios
hajam sido temporários no governo da Igreja e quais foram por isto, instituídos
para que durem eternamente. Ora, se como Apóstolos agrupamos os Evangelistas,
restar-nos-ão dois pares de certo modo a entre si corresponderem. Pois a
semelhança que com os antigos profetas têm os nossos mestres, têm-na com os
Apóstolos os Pastores. Mais eminente foi o múnus profético em razão do singular
dom de revelação por que exceliam os Profetas, mas o ofício dos Mestres tem
natureza quase semelhante e fim inteiramente um mesmo. Igualmente assim, aqueles
Doze a quem o Senhor escolheu para que proclamassem a orbe a nova pregação do
evangelho, precedência tiveram sobre os demais em ordem e dignidade. Bem que,
no entanto, do sentido e da etimologia do termo se podem corretamente chamar
Apóstolos todos os ministros eclesiásticos.[7]
Fica
assim estabelecido que para Calvino, os Doze e Paulo estavam acima de qualquer
comparação.
3. Calvino fala sobre a vocação interna
e a vocação externa.
Contudo, já em Calvino encontramos a distinção entre a vocação interna e a vocação
externa, definida já nestes termos, transcrevemos a seguir a posição de Calvino
acerca do duplo chamado que Deus faz para o ministério:
“Estou a falar da vocação exterior e
solene, que diz respeito a ordem pública da Igreja por testemunha. Deixo fora
de consideração, porem, aquela vocação que não tem a Igreja por testemunha. É
outorgado nem por ambição, nem por avareza, nem por qualquer outra cobiça, mas
por sincero temor de Deus e por zelo de edificar a Igreja. Isto certamente é
necessário a cada um de nós, como hei dito, se queremos Deus a aprovar o nosso
ministério.”[8]
4. Calvino vê base para se constituir um
senado no governo da Igreja local.
Calvino
faz distinção entre os presbíteros regentes e os presbíteros docentes, chamando
os primeiros de “Anciãos” ou “Governos”, ou “os que presidem” e os últimos de
“Ministros”, “Presbíteros”, “Bispos” ou “Pastores” isto pode ser visto na
citação de Calvino a seguir:
“Que, porém, hei chamado
indiscriminadamente Bispos, e Presbíteros, e Pastores e Ministros, àqueles que
regem as igrejas, fi-lo pelo uso da Escritura, que emprega estes vocábulos um
pelos outros, pois todos quantos desempenham o ministério da Palavra, a esses
se lhes atribui o título de Bispos.”[9]
Agora
sobre os anciãos ele diz o seguinte:
“Mas dois há que permanecem
perpetuamente: governo e cuidado dos pobres. Governadores penso, haverem sido
pessoas mais idosas escolhidas entre o povo, que juntamente, com os Bispos
presidissem à censura dos costumes e a disciplina a ser exercida. Pois nem
possas interpretar de outro modo o que ele diz: Quem preside, faça-o em
solicitude (Romanos 12:8).Logo, teve cada igreja desde o início o seu senado,
recrutado de varões piedosos, graves e santos, em mãos do qual estava aquela
jurisdição em corrigir vícios de que falaremos ao depois. Com efeito, a ordem
desta natureza não deve ter sido de um século, declara-o a própria experiência.
Portanto, também este múnus gubernatorial
é necessário em todos os séculos.”[10]
Calvino,
portanto faz distinção entre estes dois ofícios, e defende que os dois
juntamente com os diáconos e os mestres eram os ofícios ordinários[11]
da Igreja. Esta mesma visão o reformador de Genebra haverá de aplicar em sua
cidade com grande êxito.
5. Calvino fala Sobre o rito da
ordenação.
Sobre
o rito da ordenação Calvino destaca apenas a imposição das mãos por parte do
presbitério como elemento importante e diz que a mesma devera ser realizada
contanto que não se converta em “supersticioso abuso.”[12]Para
ele esta cerimônia não confere nenhuma graça sobrenatural ao ordenado, mas antes
está ligada a benção e a consagração do
candidato diante de Deus.
Conclusão.
Em suma, a doutrina do presbiterato nas Institutas de Calvino revela a relevância da igreja em sua teologia. Os presbíteros, como pastores e doutores, assumem um papel crucial na edificação do corpo de Cristo, zelando pela pureza da doutrina, pela santidade da vida e pela aplicação da disciplina eclesiástica.
A eclesiologia de Calvino, com sua ênfase na participação dos leigos no governo da igreja, teve um impacto significativo na tradição reformada e na história das instituições ocidentais. O presbiterianismo, com sua estrutura de governo representativa e sinodal, influenciou o desenvolvimento da democracia moderna e inspirou movimentos por maior liberdade religiosa e política.
Ainda hoje, a teologia de Calvino sobre o presbiterato oferece uma base sólida para a reflexão sobre o papel da igreja na sociedade. A importância de líderes qualificados, comprometidos com a Palavra de Deus e com o bem-estar do povo, é fundamental para a saúde espiritual e para o testemunho eficaz da igreja no mundo.
Por Manoel Gonçlves Delgado Jr.
[1] Embora possamos citar outras obras na
medida em que tragam luz ao que esta escrito nas institutas.
[2] CALVINO, João,
Institutas, vol. IV,São Paulo, Cultura Cristã,1989, pág. 46
[5] Op. cit.pág 46. Calvino define que
“os apóstolos são os construtores primeiros da Igreja, que em todo o mundo lhe
lançaram as bases.”
[7]
Op. cit. pág. 48. Calvino
diz que os 12 tem dignidade especial e que, portanto não existem mais apóstolos
neste sentido hoje, porém ele diz que do ponto de vista etimológico todos os
ministros podem ser chamados apóstolos, uma vez que eles são comissionados por
Deus. Já a sua opinião sobre os evangelistas não é esta, pois para ele ainda
nos dias da reforma Deus levantava homens com este chamado.
[11]Op.
cit. pág.148. Ao
interpretar 1Tm.517 ele diz: “À luz desta passagem podemos inferir que há dois
tipos de presbíteros, visto que nem todos são ordenados para a docência. O
significado cristalino das palavras está no fato de que havia alguns que
governavam bem e de forma honrosa, no entanto, não eram detentores da função
pedagógica. Elegiam-se homens solícitos, preparados, os quais juntamente como os
pastores num concílio comum, e investidos com a autoridade delegada pela
Igreja, se destinavam a ministrar a disciplina moral.”
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