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ARTIGO - EXTRA ECCLESIAM NULLA SALUS. O PENSAMENTO DE CIPRIANO DE CARTAGO



Cipriano. Ícone da Igreja Grega Ortodoxa.

Fora da Igreja não há Salvação! O pensamento de Cipriano de Cartago.

Por Manoel G. Delgado Jr.

1. Quem foi Cipriano de Cartago?

Cipriano foi Bispo de Cartago, nascido em 210 e martirizado em 258. Ele é reconhecido como um dos grandes Pais da Igreja e fez parte, junto a Tertuliano, da renomada Escola de Cartago, responsável por fundar a teologia latina [1].

Homem de posses e com uma excelente educação, Cipriano atuou como advogado. Sua trajetória eclesiástica foi notável: em 247, tornou-se sacerdote e, já em 249, foi consagrado Bispo. Pouco tempo depois, passou a exercer superintendência sobre diversos bispos da região, que o chamavam de “Papa Cipriano” devido à sua significativa influência espiritual. Sua principal obra, "A Unidade da Igreja Católica", foi destinada aos cismáticos seguidores de Novaciano. Nesta obra, ele apresentou, pela primeira vez na história da Igreja, uma formulação da doutrina episcopal.


2. Sua Principal Obra: A Unidade da Igreja Católica

Embora seja uma obra concisa, "A Unidade da Igreja Católica" representa um marco na história das doutrinas cristãs. Sua influência perdura até os dias atuais nas três principais tradições do cristianismo: Protestante, Ortodoxa Grega e Católica Romana.

As obras de Cipriano são reconhecidas por sua rara beleza retórica, sendo consideradas clássicos da teologia cristã. Sobre isso, González afirma:

Cipriano era hábil em retórica e sabia expor seus argumentos de maneira esmagadora. Seus escritos, muitos dos quais se conservam até o dia de hoje, são preciosas joias de literatura do século III [2].

A seguir, a análise se concentrará no pensamento contido nesta obra acerca do governo da Igreja.


3. Sua Ideia sobre a Sucessão Apostólica

Cipriano foi um fervoroso defensor da doutrina da sucessão apostólica, como se pode observar neste trecho de sua obra:

“Assim fala o Senhor a Pedro: "Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas dos infernos não a vencerão. Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado também nos céus" (Mt 16,18-19). Sobre um só edificou a sua Igreja. Embora, depois da sua ressurreição, tenha comunicado igual poder a todos os Apóstolos, dizendo: "Como o Pai me enviou, eu vos envio a vós. Recebei o Espírito Santo, a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados, a quem os retiverdes ser-lhe-ão retidos" (Jo 20,21-23), todavia, para tornar manifesta a unidade, dispôs com a sua autoridade que a origem da unidade procedesse de um só.” [3]

A interpretação que Cipriano fez dos textos de Mateus 16:18-19 e João 20:21-23 o levou a crer em uma linha sucessória ininterrupta entre os apóstolos e os bispos, partindo de Pedro, que, para ele, possuiria o "primado".

Para Cipriano, quem não estivesse sob a autoridade de um Bispo em sucessão direta aos apóstolos não poderia ser considerado em unidade com a Igreja. A esse respeito, ele declara:

“O Espírito Santo, falando na pessoa do Senhor, designa esta Igreja única quando diz no Cântico dos Cânticos: "Uma só é a minha pomba, a minha perfeita, única filha da sua mãe e sem igual para a sua progenitora" (Cânt 6,9).” [4]

“Aquele que não guarda esta unidade poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que resiste e faz oposição à Igreja poderá confiar que ainda está na Igreja?” [5]

“Paulo apóstolo inculca o mesmo ensinamento e mostra o sacramento da unidade, dizendo: "Um só corpo e um só espírito, uma é a esperança da vossa vocação, um Senhor, uma fé, um Batismo, um só Deus" (Ef 4,4-5). Aquele que não guarda esta unidade, proclamada também por Paulo, poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja, poderá confiar que ainda está na Igreja?” [6]

Com base nessas afirmações, Cipriano vincula a submissão aos Bispos à unidade da Igreja, a ponto de afirmar que quem não estiver ligado à “cátedra de Pedro” não está ligado à Igreja de Cristo.


4. “Fora da Igreja não há salvação”

A consequência lógica do pensamento de Cipriano é que, uma vez desligado da “Igreja”, a pessoa estaria desligada de Cristo e, por conseguinte, da salvação oferecida em Cristo. Em suas palavras:

Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica privado dos bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo.

Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja.

O Senhor nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo. [7]

Prevendo que os Novacianos [8] pudessem apelar para sua fé em Cristo, argumentando que, por possuírem fé, estavam salvos e, portanto, unidos à Igreja, Cipriano questiona a fé de uma pessoa desobediente a Cristo. Ele acreditava que uma pessoa que não estivesse em submissão ao Bispo estaria em insubmissão a Cristo. Para ele, a fé autêntica implica em obediência a Cristo, levando-o a questionar: quem não tem Cristo como Senhor, como o terá como Salvador?

“Aquele que não guarda esta unidade poderá pensar que ainda guarda a fé? Aquele que resiste e faz oposição à Igreja poderá confiar que ainda está na Igreja?” [9]


5. Sobre a Igualdade do Bispo de Roma com os demais Bispos

Um ponto de destaque na obra de Cipriano é que ele não faz distinção entre o Bispo de Roma e os demais Bispos, que, para ele, possuíam direitos, obrigações e poderes iguais:

“É verdade que os demais Apóstolos eram o mesmo que Pedro, tendo recebido igual parte de honra e de poder, mas a primeira urdidura começa pela unidade a fim de que a Igreja de Cristo aparecesse uma só.” [10]

“E, depois da ressurreição, diz ao mesmo: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,17). Sobre ele só constrói a Igreja e lhe manda que apascente as suas ovelhas. Embora comunique a todos os Apóstolos igual poder, todavia institui uma só cátedra, determinando assim a origem da unidade. É verdade que os demais [Apóstolos] eram o mesmo que Pedro, mas o primado é conferido a Pedro para que fosse evidente que há uma só Igreja e uma só cátedra. Todos são pastores, mas é anunciado um só rebanho, que deve ser apascentado por todos os Apóstolos em unânime harmonia.” [11]


6. Sucessão Apostólica: Implicações

Para Cunningham [12], a sucessão apostólica é a “grande contribuição de Cipriano para o progresso do erro e da corrupção da Igreja”. Pode-se afirmar que Cipriano foi o primeiro sistematizador da eclesiologia episcopal. Sua ideia de que a Igreja "são os bispos em sucessão apostólica" e não o "Corpo de Cristo" foi, na visão de alguns, a porta aberta para toda sorte de heresias e abusos subsequentes. A doutrina que Cipriano estabeleceu em sua obra continua a influenciar o Romanismo e a Igreja Ortodoxa Grega até hoje. Embora ele não considerasse o Bispo de Roma superior aos demais, a sua ideia, levada às suas consequências lógicas, conduziria certamente a isso.

É digno de nota que Agostinho de Hipona, Eusébio de Cesareia, Anselmo da Cantuária, Tomás de Aquino, entre muitos outros, formularam suas teologias da Igreja tendo o episcopalismo de Cipriano como inspiração [13].

Este desvio teológico da Igreja só seria devidamente corrigido na Reforma do século XVI, mais precisamente na reforma radical promovida por Zuínglio e Calvino. Em Lutero, embora a sucessão apostólica seja negada, o modelo episcopal não o é.


Referências

[1] CAIRNS, Earle A. O Cristianismo Através dos Séculos, pág. 91-92. [2] GONZALEZ, Justo L. A Era dos Mártires, História Ilustrada do Cristianismo, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993, pág. 142. [3] CIPRIANO DE CARTAGO, A Unidade Da Igreja Católica, disponível em [link suspeito removido], acessado em 21/12/2005. [4] Op. cit. [5] Op. cit. [6] Op. cit. [7] Op. cit. [8] Op. cit pág. 99. Seguidores de Novaciano, líder de uma facção do cristianismo que rompeu com o episcopado. De acordo com o dicionário dos intérpretes da fé, Novaciano fez a maior contribuição para a doutrina da Trindade desde Tertuliano. [9] Op. cit. [10] Op. cit. [11] Op. cit. [12] BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, São Paulo PES, 1990, Pág. 206. [13] Também é verdade que estes pensadores estavam focando as suas atenções a outros temas que eram controversos em sua época.

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