ARTIGO - Catolicismo hoje.
Neste artigo vamos tentar esboçar a eclesiologia católica e apresentar o pensamento
de alguns representantes deste debate interno atual no interior da Igreja
Católica, utilizaremos o esquema do livro “Igrejas Locais e Colegialidade
Episcopal” do Padre Antonio José de Almeida por entendermos que o mesmo faz uma
boa síntese do que tem ocorrido nos arraiais romanistas pós concílio vaticano
segundo:
“Dentre
as várias redescobertas que o Vaticano II fez em matéria de Eclesiologia, duas idéias se
destacam: a eclesiologia total e a colegialidade episcopal. A primeira grande redescoberta foi, sem dúvida, a redescoberta da eclesiologia
total, onde a igreja não
é pensada verticalísticamente a partir da hierarquia para a massa dos fieis, mas
a partir da onto-antropologia da graça, ou seja, da comum dignidade batismal
dos membros do santo Povo de Deus. A segunda foi a da colegialidade. O
concílio, porém, a visualiza numa
perspectiva descendente: de Cristo ao colégio dos apóstolos aos seus
sucessores, os bispos. Esta é em – breve- a perspectiva que ainda hoje
predomina nos documentos vaticanos sobre a matéria. Mas há uma outra perspectiva: ascendente. Esta perspectiva nos
textos conciliares ainda é minoritária – aparece, por exemplo, quase que
erraticamente, em Lúmen
Gentium 26, dentro do capítulo III do Lúmen Gentium, onde,
falando dos bispos, o concílio cita menos que cinqüenta e uma vezes o primado
do romano pontífice – mas será desenvolvida no pós concílio: a do primado
teológico da igreja local em eclesiologia.”(grifo meu)[i]
Para Almeida, a eclesiologia católica atual
está dividida no que concerne a colegialidade episcopal os representantes da eclesiologia descendente a versão contemporânea do pensamento hierárquico
tradicional católico. E aqueles que defendem uma eclesiologia de linha ascendente, desejam que a igreja católica reformule a sua eclesiologia de modo
a torná-la menos hierárquica, e defendem em maior o menor grau a diminuição do
poder e do papel do Papa.
1 – Exemplos de eclesiologia ascendente.
Hans Kung |
Hans Küng (1928-).
Teólogo reformista e sacerdote católico, autor
e conferencista internacional. Nasceu na Suíça, estudou na Suíça, Itália,
França. Sua tese de Doutorado foi sobre a doutrina da Justificação em Karl Barth sendo
reconhecido por este último como um dos únicos que compreenderam bem o seu
pensamento. Küng foi nomeado perito do Concílio Vaticano II, e propôs a revisão
de dogmas do catolicismo tais como: Celibato obrigatório, infalibilidade papal,
ensino sobre controle de natalidade, poder da cúria romana; a desigualdade dos
direitos da mulher na Igreja Católica.[ii]
A congregação para a Doutrina da Fé revogou o
seu status de teólogo católico (1979) é conhecido por suas críticas ao modelo
hierárquico da Igreja católica romana, e para ele existem 3 problemas
insolúveis para a “eclesiologia tradicional” tal como ela é defendida por Roma: 1 – “A
escritura não dá apoio para a interpretação sacral-clerical .... do ministério
dos ordenados” 2 – “Não se encontra
no novo testamento uma teoria unificada sobre sucessão apostólica de bispos”
3 – “Não se pode ainda falar de (com base
no novo testamento) de uma instituição hierárquica de diáconos, presbíteros e
bispos sob o primado de Pedro “ [iii]
Não é de admirar que a congregação
para a doutrina da fé o tenha disciplinado uma vez que esta sua posição
sintetiza bem os principais problemas do sistema episcopal romano pondo “em
cheque” o modelo católico atual.
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Leonardo Boff |
Leonardo
Boff (1938-)
Teólogo católico brasileiro, conhecido
internacionalmente pela Teologia da Libertação. Sacerdote franciscano ordenado
em 1964, obteve o seu doutorado na Alemanha, sob a orientação de Karl Rahner. Sua
fama na América Latina começou com o seu livro “Jesus Cristo Libertador” e seu
reconhecimento mundial aumentou com o silencio que lhe foi imposto pelo
Vaticano em 1985 por causa de seu livro: “Igreja Carisma e Poder”[iv]83
que questiona o modelo católico hierárquico, e defende uma comunidade de dons e
serviços, e organizada em comunidades eclesiais de base. 1993 renunciou ao
sacerdócio sob ameaça de um outro “silencio” pelo vaticano. Se casou e
atualmente leciona na cátedra de filosofia, ética e ecologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Suas críticas ao modelo hierárquico são basicamente
as mesmas de Küng embora ele encontre na doutrina da trindade uma
incompatibilidade com o modelo episcopal vigente, para ele, a trindade é um
exemplo de comunidade e deveria ser o paradigma das relações sociais e
eclesiásticas. [v]
2 – Exemplos de
Eclesiologia Descendente.
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Karl Hahner |
Karl Rahner(1904-1984).
Entre os exemplos de eclesiologia descendente
poderíamos citar o Teólogo e Filósofo Jesuíta, Karl Rahner. Fundador da
corrente teológica denominada “teologia transcendental” é um dos grandes
representantes do neo-catolicismo
moderno.
Sua tese
de doutorado denominada “Espírito no Mundo” busca estabelecer uma síntese de
pensamento entre Heidgger e Tomás de Aquino.[vi] Em
sua obra denominada de “curso fundamental da fé” ele apresenta uma via indireta
para reafirmar o modelo hierárquico da Igreja Católica. A sua apologética se
baseia em 7 “critérios” em busca de uma “legitimação da Igreja Católica como
Igreja de Cristo”[vii] : 1
– A instituição eclesiástica como uma necessidade na Igreja; 2 – “A Igreja de
Jesus deve ser una” 3 – “Confiança na comunidade eclesial“(uma vez que faço
parte de uma comunidade devo confiar que a mesma primariamente é verdadeira);4
- “Continuidade com a origem e a recusa
do relativismo eclesiástico”; 5 - “Conservação da substância básica do
cristianismo” 6 – “O Critério da autoridade objetiva”; 7 – A Continuidade
Histórica da Igreja Católica.
Num diálogo com a teologia
evangélica Rahner diz que uma divisão baseada em Sola
Scriptura , Sola
Gratia, Sola Fide, não se
justifica uma vez que estas doutrinas são da substância básica do cristianismo,
que para ele a Igreja católica sempre
ensinou!!! Inclusive ele diz que
na Igreja católica o Sola Gratia é a
base do pensamento católico e alega que o magistério da Igreja católica
corretamente compreendido demonstraria isto diz ele que:
“Tal
interpretação... não é nem constitutiva de Igreja e nem fonte de separação
eclesial. Pois se dissermos que o Sola
Gratia significa que o homem encontra realmente a sua salvação mediante a
graça livre e absolutamente soberana de Deus, e que, portanto, neste sentido
não cabe nenhum sinergismo entre Deus e o homem no sentido de que o homem
esteja em condições de contribuir com para a salvação com algo que não lhe
tenha sido dado pela livre graça divina, trata-se de doutrina que não só se
pode defender e ensinar serenamente no âmbito da doutrina católica sobre a
relação do homem para com Deus.
É
claro que o concílio de Trento ensina
que o homem é livre inclusive em sua atividade salvífica. Mas no âmbito da
doutrina católica oficial e obrigatória não há o conceito de que existiria uma
liberdade do homem, uma faculdade do homem, uma potencia do homem que por si
mesma pudesse fazer autônoma e independentemente qualquer coisa própria e
positiva como contribuição a salvação, de tal sorte que a salvação como tal não
fosse pura e simplesmente o dom que deus oferece ao homem em seu amor
inteiramente livre e que absolutamente não se pode exigir. “[viii]
Tal linha de argumentação representa a
apologética católica atual sobre o assunto o que exigirá de nós uma nova
abordagem com relação ao catolicismo.
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Atualmente Bento XVI |
Joseph
Ratzinger(1927-).
Por último gostaríamos de apresentar o
pensamento eclesiástico do atual Papa Joseph Ratzinger. Nascido na Baviera. Foi
um dos peritos do Concílio Vaticano II[ix] foi
professor de Teologia em Tübingen, junto com Küng de quem revisou a tese de
doutorado foi seu amigo, mas sempre discordou da posição eclesiológica do
mesmo:
Em 1966 é nomeado professor de teologia dogmática na
universidade de Tübingen. Sua nomeação é fortemente apoiada pelo professor Hans
Küng. Ratzinger tinha conhecido inicialmente ao Kung em 1957 em um congresso de
teologia dogmática em
Innsbruck. Logo depois de revisar o trabalho doutoral do Küng
sobre Karl Barth, diz Ratzinger: “Tinha muitas perguntas que lhe fazer a
respeito deste livro, pois, apesar de que seu estilo teológico não era o meu,
tinha-o lido com prazer e o autor me tinha suscitado respeito, pois tinha
gostado muito da sua abertura e retidão . Assim se estabeleceu uma boa relação
de amizade, ainda quando pouco depois...uma séria discussão começou entre nós a
respeito da teologia conciliar.” [x]
Em 1977 foi eleito Arcebispo e no ano
seguinte Cardeal, foi nomeado pelo Papa João Paulo II em 1981 Prefeito da
“Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano” Cargo que exerceu até abril de
2005 quando foi eleito como Papa adotando o título de Bento XVI. Suas reflexões
teológicas giram em torno das fontes Patrísticas e refletiu fundamentalmente
sobre o tema “Igreja” e são marcadas por um conservadorismo em matéria
eclesiástica sendo o mesmo um defensor da eclesiologia hierárquica católica.[xi]
Concluímos este artigo dizendo que o
catolicismo atual, na questão eclesiológica é um catolicismo dividido. Este debate interno
deve durar por este nosso século e embora atualmente, as forças conservadoras, tenham
maior domínio do ponto de vista institucional, as correntes reformistas, ainda
gozam de algum prestígio, sobretudo no terceiro mundo, sendo o futuro do
catolicismo ainda incerto.
Com relação a nós reformados é importante
acompanharmos este debate para que a nossa proclamação possa se fundamentar em
questões pertinentes ao catolicismo atual.
Por Manoel Delgado
[i] ALMEIDA, Antonio José,
Igrejas
Locais e Colegialidade Episcopal, pág.5-6
[ii] GONZALEZ, Justo, Dicionário
Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 403-404
[iii] KÜNG,Hans,Teologia
a caminho, pág.118-119
[ix] GONZALEZ, Justo, Dicionário
Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 548-549
[x] Biografia de Bento XVI
Disponível www.acidigital.com/bentoxvi/biografia.htm acessado em janeiro
de 2006
[xi] GONZALEZ, Justo, Dicionário
Ilustrado dos Interpretes da Fé, pág. 548-549
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