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ARTIGO - SÍNODOS E CONCÍLIOS PODEM ERRAR? UMA ANÁLISE DO CAPÍTULO XXXI DA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER.


Concílios erram? Princípios para não incorrermos em uma obediência cega.

Sínodos e Concílios podem errar?
Uma análise do capítulo XXXI da Confissão de Fé de Westminster.

Por Manoel Gonçalves Delgado Jr.

Durante o famoso julgamento de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial, os líderes militares da Alemanha nazista argumentaram em sua defesa a seguinte afirmação: “Nós apenas obedecemos ordens!” A questão que o tribunal precisou responder — e que cada geração deve repensar eticamente — é esta: será que uma obediência cega pode justificar atrocidades cometidas impunemente? Existem limites éticos para a submissão a autoridades?

No capítulo XXXI da CFW1, referente a sínodos e concílios2, a Assembleia de Westminster busca responder essa questão no âmbito da liderança eclesiástica. Embora a CFW possua um capítulo específico sobre a magistratura civil, defendendo esferas distintas de poder, para os reformadores, em nenhuma esfera a obediência pode ser cega. Assim, erraram tanto aqueles que cometeram atrocidades em nome de magistrados civis quanto aqueles que obedecem cegamente a lideranças eclesiásticas quando estas se posicionam contra a verdade das Escrituras.

Este artigo pretende demonstrar que, na igreja, o governo de Cristo se dá por meio de sínodos e concílios — instituições divinamente estabelecidas para esse fim. Seu governo é legítimo, mas suas decisões precisam ser constantemente avaliadas à luz das Escrituras, pois, como atestam os próprios reformadores, esses concílios podem errar.


1. A igreja é melhor governada por meio de assembleias gerais e particulares

O capítulo XXXI da CFW ensina, em linhas gerais, sobre a validade das assembleias eclesiásticas gerais, comumente chamadas de sínodos e concílios. Nessas assembleias, participam os pastores das igrejas, bem como os demais presbíteros das “igrejas particulares”.

A própria existência de presbíteros (plural) — e não de um único presbítero — nas igrejas locais aponta para a realidade de uma assembleia3 local para o governo dessas comunidades4. Embora alguns defendam que apenas o governo local foi instituído por Cristo5, os reformadores de Westminster afirmam que a igreja é melhor governada e edificada pelas assembleias gerais, que denominaram sínodos e concílios.

Essas assembleias, instituídas desde o tempo dos apóstolos, têm por objetivo resolver questões ligadas à fé e à prática que surgem no seio das igrejas locais6. A validade de suas resoluções deve ser analisada à luz das Sagradas Escrituras, e seus decretos alcançam todas as igrejas locais devidamente representadas.

A lógica subjacente a esse modelo conciliar representativo, apresentada na CFW e nas Escrituras citadas pelos reformadores, fundamenta-se no princípio da unidade da igreja de Cristo, conforme exposto por Charles Hodge:

“Mas o terceiro grande princípio do presbiterianismo, como afirmado no capítulo precedente, consiste em que a Igreja de Cristo, como um todo sobre a terra, é una num sentido tal que uma parte menor se sujeita a uma parte maior; e uma parte maior ao todo. […] Enquanto cada igreja local tem o direito de administrar suas próprias atividades e ministrar sua própria disciplina, ela não pode ser independente e irresponsável no exercício desse direito. […] Consequentemente, de um lado, o direito de apelação; e, do outro, o direito de revisão e controle.”7

Se a igreja de Cristo é uma só em toda a terra, cabe ao todo supervisionar as partes. Tudo o que uma igreja local faz repercute na igreja universal, tal como a autoridade de ligar e desligar presente em Cristo. 

Um convertido em uma Igreja local pertence à Igreja universal; da mesma forma, aquele disciplinado em uma Igreja local é considerado disciplinado na Igreja universal. A doutrina da unidade da Igreja, quando corretamente articulada com a doutrina do governo eclesiástico, como exposta por Hodge, sempre implicará na necessidade da supervisão do todo sobre a parte. Essa compreensão está em harmonia com a expressão de Cristo: “Tudo o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; tudo o que desligares na terra terá sido desligado nos céus." 8, e o mandamento de existir “um só Senhor, uma só fé e um só batismo”9.


2. A criação dessas assembleias cabe aos pastores e presbíteros locais

No parágrafo I do capítulo XXXI da CFW, lemos:

“Em virtude do seu cargo e do poder que Cristo lhes deu para edificação e não para destruição, pertence aos pastores e outros presbíteros das igrejas particulares criar tais assembleias e reunir-se nelas quantas vezes julgarem útil para o bem da Igreja.”10

Participam dessas assembleias, portanto, os pastores e demais presbíteros, por duas razões principais:

  1. Em virtude de seu cargo: compete a esses oficiais o governo da igreja, o pastoreio do rebanho confiado por Cristo, o compromisso de serem modelos para a comunidade e a responsabilidade de fiel dispensar dos mistérios de Deus.

  2. Pelo poder que Cristo lhes conferiu: receberam a comissão de Cristo, anunciam a Palavra, têm autoridade para aplicar e suspender a disciplina eclesiástica, e lhes foram dadas as chaves do Reino dos Céus11.

Por tais motivos, cabe-lhes participar dessas assembleias, cujo objetivo principal é zelar pelo bem da igreja de Cristo.


3. Recepção das decisões consonantes com as Escrituras

“Os seus decretos e decisões, sendo consoantes com a palavra de Deus, devem ser recebidos com reverência e submissão, não só pelo seu acordo com a palavra, mas também pela autoridade pela qual são feitos, visto que essa autoridade é uma ordenação de Deus, designada para isso em sua palavra.”12

Em Atos 15:27-31, vemos Judas e Silas entregando a decisão do Concílio de Jerusalém à igreja de Antioquia, escrita em epístola, e prontamente aceita, trazendo grande conforto:

“Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais pessoalmente vos dirão também estas coisas. […] Os que foram enviados desceram logo para Antioquia e, tendo reunido a comunidade, entregaram a epístola. Quando a leram, sobremaneira se alegraram pelo conforto recebido.”13

Paulo, Silas e Timóteo seguiram o mesmo padrão em suas viagens:

“Ao passar pelas cidades, entregavam aos irmãos, para que as observassem, as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém.” (Atos 16:4)

O termo dogma (no original grego), traduzido por “decisões”, pode significar doutrina, decreto ou lei. Entender as resoluções conciliares meramente como “uma sugestão” é, no mínimo, subdimensioná-las14.


4. Os sínodos e concílios podem errar

Ao encerrar seu ensino sobre o governo da igreja, a Assembleia de Westminster adverte que sínodos e concílios não são infalíveis:

“Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa.”15

Isso reflete a compreensão reformada de que, quando um concílio se desviar da regra de fé e prática (as Escrituras), suas decisões devem ser rejeitadas. Contudo, quando corretamente realizados, sínodos e concílios são valiosos para orientar a igreja em fé e prática.

O modelo representativo defendido pelos reformadores de Westminster, ancorado nas Escrituras, uniu os presbiterianos em todo o mundo. A submissão a esses concílios jamais deve ser cega, mas madura: decisões que expressem a verdade bíblica merecem obediência imediata, enquanto aquelas que contrariarem o ensino geral das Escrituras devem ser repudiadas como nulas.

Em caso de coerção para desobedecer à Palavra de Deus, quer do magistrado civil ou eclesiástico, nossa obrigação é reagir e afirmar, como os apóstolos fizeram: “Antes importa obedecer a Deus do que aos homens.”


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Notas.

  1. Passaremos a denominar a Confissão de Fé de Westminster por CFW.

  2. Op. Cit.

  3. Usamos este termo aqui como intercambiável para concílio e não a sua conotação moderna do termo utilizada no sistema congregacional.

  4. GRUDEM, Wayne, Teologia Sistemática, pág. 765. São Paulo, Vida Nova, 2018.

  5. Tal é a posição congregacional, porém a análise de passagens como At. 9:31; 1Co 12:28; 1Co 10:32; Ef. 4:4-16 demonstra que eklesia refere-se à unidade visível da Igreja; At. 15 mostra o concílio de Jerusalém.

  6. Ver capítulo sobre as evidências bíblicas em favor dos concílios gerais.

  7. HODGE, Charles. Teologia Sistemática, pág. 559.

  8. Mt. 16:19; definido por Grudem como autoridade de pregar o evangelho e aplicar a disciplina eclesiástica (Op. Cit., pág. 746–747).

  9. Mt. 16:16; Ef. 4:5.

  10. Op. Cit.

  11. A CFW vê poder em termos de autoridade para proclamação do evangelho e aplicação da disciplina eclesiástica.

  12. Op. Cit.

  13. Atos 15:27–31, ARA.

  14. STRONG, James. Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002; GINGRICH, F. Wilbur & DANKER, Frederick W. Léxico do NT. Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 58.

  15. Op. Cit.

Comentários

  1. Mas quanto aos concilios ou sínodos que definiram quais livros da Bíblia eram inspirados ao longo da história da Igreja: podemos dizer que esses concilios foram infalíveis em todas as suas decisões?

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    1. Os concílios, e a igreja reconheceram a inspiração. Não determinaram a qualidade e caráter sobrenatural da revelação divina.

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