CITAÇÃO - ASPECTOS HISTÓRICOS DO PROTESTANTISMO
CITAÇÃO - ASPECTOS HISTÓRICOS DO PROTESTANTISMO
Passaremos a considerar os aspectos históricos do ministério de confissão religiosa evangélico no Brasil, para isto, um retrospecto dos grupos e de sua origem se faz necessário. Os vários grupos que configuram o evangelicalismo abrangem protestantes históricos, pentecostais clássicos, carismáticos, comunidades emergentes e grupos neopentecostais. Uma leitura superficial sobre esta diversidade tenderia a gerar simplificações e generalizações contraproducentes para a compreensão destes múltiplos movimentos, de diferentes matizes e periodicidades, que confluem para a constituição da comunidade evangélica brasileira.
Brasil Imperial
O Império do Brasil foi um período da história nacional que se estendeu de 1822, ano em que o Brasil se tornou independente de Portugal, até 1889, quando ocorreu a Proclamação da República. Durante esse período, o país foi governado por uma monarquia constitucional. O início do Império do Brasil foi marcado pela aclamação do Imperador D. Pedro I, em 1822, e se estendeu até a Proclamação da República, em 1889. O Império do Brasil é tradicionalmente dividido em três fases: Primeiro Reinado (1822-1831), Período Regencial (1831-1840) e Segundo Reinado (1840-1889). Sobre este período, ao comentar o legado de Dom Pedro II, o jornalista e pesquisador Laurentino Gomes assevera que a monarquia brasileira foi um importante movimento político institucional nas Américas, e uma grande referência política em nosso continente:
"Ao final de quase meio século na condução dos destinos brasileiros, (O império) deixava um legado impressionante. A unidade do país estava, finalmente, consolidada. A escravidão havia sido abolida no ano anterior. O Império enfrentara rebeliões regionais e guerras externas mantendo sempre o mesmo sistema representativo, com a realização ininterrupta de eleições. A Constituição e os regulamentos básicos também haviam permanecido os mesmos, sem rupturas. Seria esse, até hoje, o conjunto de leis mais duradouro de toda a história brasileira. Havia um sistema judiciário em funcionamento, em que as pessoas tinham direito de defesa e ninguém seria condenado sem prévio julgamento. A imprensa gozava de liberdade de expressão. [...] muitos desses atributos eram mais aparentes do que reais, porém, graças a eles, o Brasil se mantivera como uma nação relativamente estável, ao contrário dos vizinhos, dominados por caudilhos e permanentemente às voltas com golpes de estado e guerras civis."
O modelo do Protestantismo de Missão
Ainda que possamos mencionar antecedentes do protestantismo europeu no período colonial brasileiro na França Antártica, na Bahia de Guanabara e no Brasil Holandês, no nordeste brasileiro, bem como um forte movimento de migração protestante sob a égide de acordos comerciais com os europeus, especialmente ingleses, suíços e alemães, que demandaram a necessidade da superintendência espiritual dos imigrantes e estrangeiros residentes no Brasil, é precisamente nos fins do Segundo Reinado que o chamado protestantismo de missão teve o seu estabelecimento em terras brasileiras. Por protestantismo de missão denominamos aqueles movimentos evangélicos de origem americana ou europeia que se instalaram no Brasil no contexto do grande despertamento missionário do evangelicalismo norte-americano e dos avivamentos europeus. Congregacionais, Presbiterianos, Metodistas e Batistas fizeram parte destes movimentos que estabeleceram em definitivo a fé protestante em solo pátrio.
Neste período, entre outros, destaca-se a chegada do médico escocês Robert Reid Kalley, em 1855. Kalley, que antes de se estabelecer no Brasil teve uma atuação pioneira na ilha da Madeira, foi quem, nas palavras de Porto Filho, estabeleceu "o primeiro serviço sistemático de evangelização no Brasil". Elbem Lenz Cézar destaca que Kalley foi o pioneiro do presbiterianismo na ilha da Madeira, e o pioneiro do Congregacionalismo no Brasil, um dos primeiros médicos missionários das missões modernas, e um modelo de ministério bivocacionado. O fruto do seu trabalho foi a organização da Igreja Evangélica Fluminense, que se tornou a matriz do Congregacionalismo no Brasil, a organização da primeira Escola Dominical do Brasil, do primeiro hinário evangélico brasileiro, com músicas de sua autoria e a vasta contribuição de sua esposa Sarah Kalley, e como médico destaca-se a contribuição no combate aos surtos epidêmicos de Cólera em Petrópolis em 1855, e Febre Amarela, no Rio de Janeiro em 1858.
Em 12 de agosto de 1858, Ashbell Green Simonton chega ao RJ para estabelecer a missão presbiteriana. Nasceu em West Hanover Township, Pensilvânia, Estados Unidos, e passou a infância na fazenda da família, denominada Antigua. Seus pais eram o médico e político William Simonton e D. Martha Davis Snodgrass, filha de um pastor presbiteriano. Ashbell era o mais novo de nove irmãos. Ele concluiu seus estudos secundários em Harrisburg, a capital do estado, e formou-se na Faculdade de Nova Jersey (a futura Universidade de Princeton) em 1852. Após trabalhar como professor no Mississippi por cerca de um ano e meio, ingressou no Seminário Teológico de Princeton, fundado em 1812, tendo estudado com o grande teólogo Charles Hodge. Concluídos os estudos, foi ordenado em 1859 e chegou ao Brasil no dia 12 de agosto do mesmo ano. Simonton, num curto período de tempo de 7 anos, devido à sua morte prematura por febre amarela, deixou um legado importante, tendo organizado a primeira igreja, o primeiro presbitério e Sínodo presbiterianos, a primeira escola evangélica, de onde o Instituto Presbiteriano Mackenzie se origina, o primeiro Seminário e o primeiro ministro do evangelho autóctone, ordenado em solo pátrio, o ex-sacerdote católico José Manoel da Conceição.
Iniciativas similares foram empreendidas por outras missões, como a Metodista, que já havia iniciado trabalhos entre 1835 e 1840, mas que somente em 1867 se estabeleceram em definitivo com os trabalhos dos pastores Junius E. Newman e John James Ranson; bem como a Missão Batista em 1881, com o casal William Buck Bagby e Anne Luther Bagby. Em 10 de setembro de 1871, a primeira igreja batista foi organizada em terras brasileiras, sob a coordenação do pastor Richard Ratcliff. No início, os cultos eram em inglês, o que afastava os habitantes locais.
Estas missões protestantes apresentaram características comuns, como a valorização da doutrina e da confessionalidade, a evangelização como método, distribuição de bíblias através do serviço de colportagem, o uso de estratégias sociais e educacionais; tais como as missões médicas, escolas bíblicas dominicais, orfanatos e escolas. A música em moldes clássicos com a adoção de hinários e canto congregacional. É importante mencionar que no período imperial estas missões não gozavam de plena liberdade religiosa, antes desfrutavam de restrições ligadas ao culto, registros civis de nascimento e óbito, restrições aos trabalhos de evangelização aberta, e até mesmo na estética de seus templos, uma vez que ainda vigorava o padroado, regime que estabelecia a Igreja Católica Romana como religião oficial do Império. Somente com a Proclamação da República é que estes movimentos tiveram um respaldo legal para a sua plena expansão.
Brasil Republicano, Estado Novo e Período Militar
Este período foi marcado pela mudança de regime, com a instauração da República no País, com uma constituição de orientação liberal, porém sem uma cidadania plena, uma vez que o sistema oligárquico estava na estruturação da Velha República. O historiador Boris Fausto menciona este caráter oligárquico presente na República:
"É comum denominar a Primeira República de República dos Coronéis, em uma referência aos coronéis da antiga Guarda Nacional, que eram em sua maioria proprietários rurais, com uma base local de poder. O coronelismo representou uma variante de uma relação sociopolítica mais geral o clientelismo, existente tanto no campo quanto nas cidades. Essa relação resultava da desigualdade social, da impossibilidade de os cidadãos efetivarem seus direitos, da precariedade ou inexistência de serviços assistenciais do Estado, da inexistência de uma carreira no serviço público. Todas essas características vinham dos tempos coloniais, mas a república criou condições para que os chefes políticos locais concentrassem maior soma de poder."
Este também foi um tempo de rupturas democráticas com a implantação de regimes autocráticos e totalitários como os da Era Vargas e Estado Novo e do Regime Militar de 1964 a 1985, intercalados com crises institucionais, mudanças de Constituição e de ordenamento jurídico, e até mesmo de sistemas de governo, como o breve período parlamentarista.
No âmbito econômico, foi um período estruturante do país com o desenvolvimento industrial, criação da malha rodoviária, urbanização e ocupação do Norte e Centro-oeste do país, através do desenvolvimento do agronegócio. Destaca-se a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília. No contexto religioso, observa-se a separação entre a Igreja e o Estado, o fim do padroado. A chegada do Pentecostalismo no Brasil, com as Igrejas Congregação Cristã e Assembleia de Deus. Paul Freston apresenta três ondas do pentecostalismo brasileiro: "O pentecostalismo pode ser compreendido como a história de três ondas de implantação de igrejas. A primeira onda é a década de 1910, com a chegada da Congregação Cristã do Brasil (1910) e Assembleia de Deus (1911). [...] A segunda onda pentecostal é a dos anos 50 e início dos anos 60, no qual o campo pentecostal se fragmenta, a relação com a sociedade se dinamiza e três grandes grupos (em meio a dezenas de menores) surgem: a Quadrangular (1951); Brasil para Cristo (1955); e Deus é Amor (1962). [...] A terceira onda começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos 80, os representantes são a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), e a Universal (1980)."
A que se deveriam estas três ondas distintas, e quais os fatores envolvidos? Segundo Freston, existem pistas que ajudariam a explicar os respectivos movimentos. A primeira onda coincide com a expansão mundial do pentecostalismo, ao passo que a segunda onda é consonante com a urbanização da sociedade brasileira e o advento da sociedade de massa, e por fim, a terceira onda estaria associada ao exaurimento do desenvolvimento econômico nacional, com a modernização dos veículos de comunicação no período autoritário do país, e ao contexto específico da sociedade carioca de então com inúmeros problemas sociais, de segurança pública e econômicos.
Neste período, podem ser relatados os desdobramentos de movimentos teológicos internacionais, e de acontecimentos da geopolítica mundial e nacional, como a Guerra Fria, que tiveram impacto nas relações eclesiásticas, e no desenvolvimento das denominações históricas, as transformações do evangelicalismo, e a controvérsia liberal, conservadora, neo-ortodoxa e do evangelho social nos EUA e os seus desdobramentos nos movimentos eclesiásticos brasileiros, o Congresso de Evangelização de Lausanne e a forte atuação de agências missionárias.
Expansão e Transformações do Protestantismo no Brasil Contemporâneo
Por Brasil contemporâneo definimos o período que se inicia na constituinte de 1988 aos dias atuais. Neste período, vimos um grande movimento de evangelização, uma revolução musical e litúrgica com a incorporação dos grupos musicais, o surgimento de movimentos como o das comunidades cristãs, e o crescimento das igrejas neopentecostais, agências missionárias inspiradas pelo congresso de Lausanne que desenvolveram expressivos trabalhos no contexto nacional. A grande expansão e desenvolvimento de rádio e televangelistas, grupos de louvor midiáticos, e mais recentemente a massiva incorporação da internet e redes sociais como forma de expressão teológica.
Este quadro, ainda que sumariamente apresentado, deve ser considerado ao falarmos do diversificado cenário das igrejas evangélicas e dos movimentos e experiências que constituem o caldeirão da cultura religiosa Nacional.
In: Religião se faz com respeito: a formação dos ministros religiosos visando a inserção na esfera pública. São Paulo: Seminário Servo de Cristo, 2024. Tese. Obra não publicada. p. 17-25. Delgado Júnior, Manoel Gonçalves.
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