ARTIGO - SÉRIE VIAGEM A AMÉRICA. (3/4) IGREJAS FORTES, VISÃO DE REINO
Igrejas, Multiculturalismo e Missão no Texas
Durante minha estadia nos Estados Unidos, passei mais tempo no estado do Texas, especialmente nas regiões de Houston e Dallas. Essa escolha não foi por acaso: o Texas representa com força o chamado “Cinturão Bíblico”, mas também é um espaço de intensa diversidade cultural e urbana. Foi nesse ambiente que mergulhei em uma jornada de observação, mentoria e reflexão sobre o cenário evangélico americano.
Fui recebido por dois irmãos que conheci ainda em Cuiabá, quando pastoreava jovens: Bruno Zechin e Allan Velasques. Hoje, ambos desenvolvem trabalhos relevantes nos EUA. Bruno atua como capelão e tradutor no circuito de rodeios norte-americano, cuidando pastoralmente de uma comunidade de cowboys e plantando uma igreja que já começa a se consolidar na região de Dallas. Allan, por sua vez, empreende em Houston com uma sorveteria voltada para pessoas com necessidades especiais, conectando seu trabalho a projetos filantrópicos e ministérios como a Brookwood—a qual tive a alegria de conhecer pessoalmente.
Além de reencontrar esses irmãos, minha visita teve como propósito acompanhar e mentorear jovens lideranças ministeriais, bem como conhecer o cenário e funcionamento das igrejas locais. Visitei cerca de oito igrejas evangélicas americanas em diferentes estágios de desenvolvimento, desde plantações até grandes ministérios consolidados. Estive na Segunda Igreja Batista de Houston, em ministérios presbiterianos como a MDPC, metodistas livres, luteranos e independentes. Também participei de reuniões com a Adhonep, um ministério de empresários cristãos (Houston Chapter), conheci uma sinagoga e explorei espaços como museus, livrarias e entidades sociais de grande relevância.[1]
Multiculturalismo: Fé em muitas línguas
O multiculturalismo não é apenas uma característica demográfica nos Estados Unidos—é uma realidade espiritual. As igrejas que visitei refletem essa diversidade: cultos em inglês, espanhol, português e até em línguas asiáticas. Latinos, afro-americanos, asiáticos e americanos brancos convivem em comunidades de fé que buscam ser acolhedoras e contextualizadas. Em uma das igrejas, vi uma oferta de serviços em três idiomas diferentes, cada um trazendo sua expressão cultural ao culto.
Essa convivência não é apenas tolerância—é celebração. O multiculturalismo ali é vivido como uma riqueza espiritual, uma forma de manifestar o corpo de Cristo em sua plenitude. A igreja americana, especialmente no Texas, parece entender que a missão não é apenas transcultural, mas intracultural: ela acontece dentro das fronteiras, entre vizinhos de diferentes origens.
Pós-denominacionalismo: além das placas
Outro aspecto que me chamou atenção foi o surgimento e consolidação de ministérios pós-denominacionais. São comunidades que não se definem por uma tradição teológica específica, mas por um propósito comum: alcançar pessoas e servir a cidade. Vi igrejas que funcionam em espaços compartilhados, onde uma congregação batista realiza cultos pela manhã e uma comunidade pentecostal ocupa o mesmo templo à noite. Em alguns casos, ministérios independentes utilizam estruturas de igrejas históricas com total liberdade e apoio mútuo.
Essa fluidez não significa ausência de doutrina, ou identidade, mas uma abertura para colaboração. O foco não está em preservar uma identidade denominacional, ainda que as denominações existam e sejam parte da identidade local, mas em viver o evangelho de forma relevante. É como se as igrejas estivessem dizendo: "O evangelho é mais importante."
Visão de Reino: o carrinho de golfe como metáfora
Uma das imagens mais marcantes da minha visita foi ver um membro do staff do dirigindo um carrinho de golfe entre os prédios de sua igreja. Não era ostentação, era funcionalidade. A igreja era tão grande, com tantos espaços de serviço e ministério, que o carrinho se tornava uma ferramenta de cuidado pastoral. Aquela cena me fez pensar na visão de reino que permeia muitas igrejas americanas: uma estrutura a serviço das pessoas, não o contrário.
E nas igrejas americanas estruturas não são um problema! Os serviços, cultos, duram em média 60 minutos. Uma hora, em que a liturgia (louvor, orações e leituras bíblicas) dura cerca de 25 minutos e a mensagem entre 35 a 45 minutos. O Louvor é excelente, e as estruturas de transmissão impecáveis e muito bem produzidas. A comunicação institucional muito eficiente, com folhetos com QR Codes, direcionando para os Small Groups, que são os modelos de departamentos e ministérios que temos no Brasil. Estes grupos não podem ser confundidos com os pequenos grupos de pastoreio, que também fazem parte da estratégia de integração de muitas igrejas que visitei.
Em praticamente todos os locais, o pregador distribuiu o esboço escrito do sermão, alguns com roteiro para preenchimento durante a mensagem. Além disto, nos ministérios maiores os services (cultos locais) tem até mais linhas litúrgicas distintas.(blended, contemporany, and traditional service).
Essa visão de reino se expressa também na cooperação entre igrejas. Ministérios distintos compartilham recursos, templos e até equipes. Vi igrejas que apoiam missões de curto prazo juntas, mesmo sendo de tradições diferentes. Essa cultura de apoio mútuo revela uma compreensão profunda de que o reino de Deus é maior que qualquer denominação ou modelo eclesiástico, particular.
Um exemplo disso foi o Projeto Éden, uma iniciativa de missão urbana que se valeu de uma revitalização de um antigo shopping (mall) e o transformou em um espaço multifuncional: lojas, espaços comunitários e uma igreja voltada para a juventude. Essa criatividade missional me fez refletir sobre como o evangelho pode ocupar os espaços urbanos de maneira relevante e transformadora.
Essa vivência me permitiu observar de perto o multiculturalismo presente nas igrejas americanas, especialmente no Texas. A visão interdenominacional e pós-denominacional está cada vez mais presente, com ministérios que se organizam em torno de propósitos comuns, mais do que estruturas formais. O que vi no Texas não foi apenas uma diversidade de estilos e formatos, mas uma unidade de propósito: alcançar pessoas, servir a comunidades e viver o evangelho com generosidade e ousadia.
Sabemos que o cenário americano apresenta os seus desafios, a polarização tem machucado a sociedade americana, e existem problemas no tecido social, que são de gerações. E assim como no Brasil existem desafios a serem superados. Questões históricas e sociais ainda aguardam reconciliação. No entanto, há também sinais de esperança que não podem ser ignorados, e podemos e devemos considerar estas realidades positivas e celebrando a Deus pela proclamação do evangelho numa sociedade cada vez mais multicultural.
[1] Durante minha jornada ministerial no Texas, tive a oportunidade de visitar e me envolver com uma diversidade marcante de expressões de fé e missão: desde a tradicional Second Baptist Church of Houston até a contemporânea Eden Church, passando pela New Life Cowboy Church sediada em Crossover, uma plantação reformada voltada à comunidade de rodeios. Conheci também a Congregation Beth Israel, uma sinagoga judaica vibrante, e a Grace Fellowship Church, de tradição metodista. A Brazilian Presbyterian Church, hospedada na Memorial Drive Presbyterian Church, representou a presença brasileira em solo americano. Além disso, explorei a Brookwood Community, uma organização cristã sem fins lucrativos voltada ao cuidado de pessoas com necessidades especiais, visitei a Lanier Theological Library, participei de encontros com o capítulo brasileiro da Adhonep em Houston, e conduzi um estudo bíblico em um pequeno grupo local. Essa experiência revelou um mosaico espiritual que une diferentes ministérios em torno de uma visão viva, colaborativa e multicultural.
Comentários
Postar um comentário