Liderança e as marcas da Integridade
Por Ronaldo Lidório
Se você deseja conhecer a integridade
de um líder, observe os detalhes. Conheça-o na informalidade do lar, no trato
com amigos chegados, na conversa ao telefone. O conceito bíblico de sermos
fiéis no pouco para sermos colocados no muito pressupõe
grau de dificuldade e detalhamento. O pouco nos prova como também nos expõe. É,
portanto, no pouco, nos detalhes da vida, que podemos diagnosticar nossas
carências e limitações, e ali aprender com o Mestre. Como bem aplicou Platão,
filósofo grego: “Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de
brincadeira do que em um ano de conversa”. A informalidade nos expõe com
maior freqüência pois nos encontra em
estado de expontaneidade.
Um dos desafios mais difíceis que
enfrentamos desde nossos primeiros pais é a tradução de nossos valores espirituais
e morais para atitudes espirituais e morais em nossa vida
diária. Permitam-me listar aqui, dentre tantas atitudes que buscam a construção
de um caráter íntegro, algumas que observo de extrema colaboração neste
sentido.
Calar-se
Vivemos em uma sociedade onde o
simbolismo é elemento definidor das relações humanas. Assim, valorizamos a
comuicação verbal, os discursos, as respostas bem colocadas, o jogo de
palavras. Se por um lado isto colabora para desenvolver uma comunicação mais
ativa, por outro tem nos levado a esquecer o valor do silêncio.
A integridade de um líder é testada na
adversidade e uma das atitudes mais comuns perante a adversidade relacional é o
confronto. Frequentemente falamos quando deveríamos nos calar, especialmente em
contextos ministeriais onde as críticas nos bastidores ganham a nossa atenção e
somos levados a reagir de forma desproporcional, desnecessária ou mesmo inapropriada.
Certamente há momentos de falar,
fazer-se ouvir. Mas reconheço que os homens de Deus que tenho conhecido
buscavam mais o silêncio do que o confronto verbal perante as adversidades, e
faziam a obra de Deus.
Um dos grandes investimentos que
podemos fazer em relação ao outro é justamente ouvi-lo. Lincoln dizia que, ao
dialogar com alguém gastava um terço do tempo pensando no que falar e dois
terços pensando no que o outro falava.
A maior dificuldade para se ouvir é
quando não é preciso ouvir. Penso aqui em uma figura de autoridade que, em sua
presente função, seja um professor, um chefe, um líder de equipe ou um pastor,
não precisaria ouvir e poderia tão somente falar. Talvez um dos maiores e mais
frequentes erros.
Não
negociar a verdade
Provérbios 12:19 nos diz que “O
lábio verdadeiro permanece para sempre; mas a língua mentirosa apenas por um
momento”. Há certos valores que precisam estar sempre presentes em
nossas vidas, relacionamento e processos de liderança. Um deles é não negociar
a verdade. Isto inclui, de forma especial, a manipulação da verdade. Refiro-me
ao evitamento ou maquiagem da verdade para se contornar um problema ou se
beneficar de um resultado.
Quando a Palavra nos ensina que a
posição do crente, o seu falar, deve ser “sim sim, não não”[1] o
que se advoga não é uma atitude de extremos: ou sim ou não. O assunto aqui é a
verdade: dizer sim quando for sim e não quando for não. No cenário do genuino
cristianismo a verdade não pode ser negociada e ela é um dos grandes blocos que
constrói uma vida íntegra.
Abraham Lincoln foi um dos estadistas
mais atacados em toda a história dos Estados Unidos da América. Recebeu título
de desonesto, corrupto, incapaz, mentiroso e adúltero. O Illinois State
Register referia-se a ele como o “político mais desonesto da
história americana”. Quando aconselhado a negociar benefícios para os donos
dos grandes jornais a fim de que sua imagem fosse poupada, Lincoln respondeu: “Quando
deixar este escritório gostaria de sair com um amigo fiel ao meu lado. Minha
consciência”[2].
Ao falar sobre a verdade de forma mais
objetiva (o que é verdadeiro), posso dar-lhe a entender, erroneamente, que esta
é a única forma de verdade que importa. Há uma verdade subjetiva a qual também
devemos valorizar. Trata-se da verdade volitiva, ou seja, os motivos que nos
levam a agir e reagir. Os motivos que nos levam a fazer algo ou deixar de
fazer. A falar e calar. Tais verdades motivacionais precisam ser obervadas de
perto pois elas representam o atual estado de nosso coração. Muitos líderes
podem desenvolver realizações corretas por motivações erradas.
A
integridade, que não negocia a verdade seja objetiva ou subjetiva, alimenta um
caráter mais parecido com Cristo.
Assumir a responsabilidade
Quando nos posicionamos ao lado
da verdade normalmente somos chamados a assumir responsabilidades, seja pela
irredutível defesa de algo que no senso comum poderia passar desapercebido,
seja por falhas e pecados em nossas vidas que precisam ser confrontados,
perdoados e abandonados.
Segundo o escritor francês François La
Rochefoucauld quase todas as nossas falhas são mais perdoáveis do que os
métodos que concebemos para escondê-las. Uma vida íntegra leva em consideração
a possibilidade da falha, do pecado e da queda. Ou seja, precisamos assumir a
responsabilidade perante nossas atitudes a fim de mantermos a integridade
espiritual e moral. E esta é uma
das lições mais difíceis de serem aprendidas. O caminho aparentemente mais
curto no caso de uma queda - a negação do pecado e sua responsabilidade sobre
ele - não é de fato curto pois não nos leva onde Deus nos quer.
Permita-me endereçar líderes que
possuem grande dificuldade de pedir perdão de maneira verbal e clara, ou de
voltar atrás em decisões tomadas mesmo quando francamente equivocadas. Esta
postura provém de um coração soberbo. Uma soberba que lhe faz pensar (mesmo que
não de forma gráfica) sobre a sua superioridade. Talvez nutrida pelo seu
conhecimento, ou sua posição de liderança, ou sua função de destaque, seus
ganhos e merecimentos. Perceba, porém, que este é o caminho de morte. Seu
coração, ao negar procurar o outro e falar: errei, perdoa-me, se
lança em uma rota de colisão com o temor do Senhor e a sabedoria, o
entendimento de que somos todos igualmente dependentes da graça de Cristo para
viver.
Há também aqueles que, para
reconhecerem um erro e assumirem a responsabilidade o fazem sob protesto e
acusações. Refiro-me aos que, perante seu próprio pecado, racionalizam que o
outro também pecou, ou é um agressor maior, que não foi leal ou submisso.
Grande erro. Estas razões não passam de sombras nas quais tentam esconder seus
próprios corações da humildade necessária para o quebrantamento.
Leon Tolstoi sabia que “todos
pensam em mudar a humanidade, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo[3]”atestando
que é sempre mais fácil falar sobre os problemas universais do que sobre o
pecado do coração. EWertheimer escreveu que “somente depois
de as termos praticado é que as faltas nos mostram quão facilmente as
poderíamos ter evitado[4]”.
Nenhum de nós está isento da
possibilidade do erro. Uma das admiráveis atitudes de Davi foi justamente
assumir integralmente a sua responsabilidade quando Natan, após falar sobre um
que roubara a única ovelhinha do vizinho, afirmou: “este homem és tu”[5].
Davi não deu desculpas. Não racionalizou dizendo: outros fizeram pior do que
eu. Nem mesmo tentou explicar suas motivações. Caiu de joelhos e colocou-se nas
mãos de Deus. O coração de Davi dizia: “sou responsável”, e este tornou-se o
homem segundo o coração de Deus.
Que Deus nos ajude a administrar o
orgulho e a vergonha, também a humilhação, a fim de assumirmos a
responsabilidade pelo pecado e seguirmos em frente no perdão transformador do
Senhor.
Aprender com os erros
Precisamos compreender que
integridade não é uma atitude medida pela ausência de erros, mas pela decisão
em não repeti-los.
Quando assumimos
responsabilidades o fazemos também em relação aos nossos erros. Precisamos
compreender que integridade é um hábito que se ganha na rotina diária quando
procuramos agir de forma pura e justa, e mesmo quando isto não acontece,
devemos aprender com nossos erros.
Para que assim caminhemos será
preciso, primeiramente, desmistificá-los. Dale Carnegie escreveu, na década de
50, o livro Como Evitar Preocupações e Começar a Viver[6].
Neste livro Carnegie ensina
que devemos deixar o medo de encarar os nossos erros. Devemos analisá-los e
compreendê-los. Ele usa William James para nos ensinar que a aceitação do que
aconteceu é o primeiro passo para se vencer as conseqüências de qualquer
infortúnio.
Pensando em líderes devemos
compreender o que muito bem foi colocado por Kevin Cashman[7] ao
expor que a habilidade que temos de crescer como líderes é limitada pela
habilidade de crescermos como pessoas. Jamais devemos distinguir nossa função
de liderança (mesmo porque é passageira) de nossa identidade pessoal. Um grande
engano em época de empreendedorismo é um auto investimento no perfil de
liderança. Não que isto não seja efetivo, porém é passageiro. Investir tempo,
forças e energia para se qualificar como um bom líder pode lhe privar de
investir tempo, forças e energia para crescer como pessoa e crente. Como líder
posso dar-me ao luxo de seguir em frente mesmo tendo cometido erros, porém como
pessoa e cristão meus erros, após pratica-los, se tornam minha melhor
oportunidade de conserto e crescimento.
Para aprendermos com nossos
erros é necessário leva-los a sério. Um temperamento explosivo não é apenas um
temperamento forte mas algo que machuca pessoas, entristece o Espírito Santo
pela falta de domínio próprio e nos pretere de vivermos mais tranquilos com
nossas próprias reações. A crítica não é apenas uma questão de objetividade, ou ser direto,
como muitas vezes justificamos. A crítica compulsiva é um agente do diabo para
a destruição da vida alheia. Um desencorajamento que pode marcar uma pessoa
pelo resto de sua vida além de um mecanismo que faz o coração do crítico
adoecer com a amargura. Não conheço pessoas críticas felizes.
C.S.Lewis nos ensina que “quando um homem se torna melhor, compreende
cada vez mais claramente o mal que ainda existe em si. Quando um homem se torna
pior, percebe cada vez menos a sua própria maldade”[8].
Para aprendermos com nossos erros é necessário leva-los a sério, conversar com
o Pai sobre eles, pedir forças para mudarmos e amadurecermos, crescermos um
pouco mais.
Cuidar do seu coração
O Senhor sonda nosso coração, portanto
é nossa imagem interna, e não externa, que precisa de maior cuidado. Em dias de
ufanismo e triunfalismo somos levados a procurar sempre o que nos destaca, ou
destaca o nosso trabalho. Um grave engano visto que o Senhor não sonda nossos
relatórios mas sim nossos corações. Dr Augustus Nicodemus, profundo expositor
da Palavra, afirma que Deus não nos chama para termos sucesso sempre mas sim
para sermos fiéis.
Compreender a marcante diferença
entre caráter e reputação não pressupõe que faremos uma escolha legítima. É
preciso estar disposto a priorizar a verdade. Abraham Lincoln gostava de
afirmar que “caráter é como uma árvore e reputação a sombra. A sombra é
o que nós pensamos sobre isto. A árvore é a realidade”[9].
Muitas vezes confundimos
inteligência, conhecimento e sabedoria. Podemos aplicar as palavras “a
inteligência é uma espada ... o caráter a empunhadeira”, de Bodenstedt,
dizendo que é o caráter que delineará a sabedoria no agir. Outras vezes
confundimos temperamento brando com bom caráter. Ao contrário, como disse
Pierre Azaïz, “o caráter é a esperança do temperamento”. Um
temperamento brando, quieto ou mais vagaroso pode dar a impressão de domínio
próprio e esconder as paixões mais carnais.
Ele nos “sonda e nos conhece”[10] e
julga-nos com exatidão, pesa a nossa alma e categoriza todos os nossos
sentimentos mais profundos. Você é quem Deus diz que você é. Convictos desta
verdade é preciso crescer. Não priorize o crescimento da sua reputação,
ministério ou carreira. São por demais importantes, porém transitórios.
Priorize o crescimento do seu caráter e vida com o Pai. Escolha a melhor parte.
[2] John Maxwell. The 21
Indispensable Qualities of a Leader. Thomas Nelson Publishers, 1999.
[3] Richard
Foster. Celebração da Disciplina. Editora Vida. 1983
[6] Editado
pela Companhia Editora Nacional em 2003.
[7] Kevin Cashman.
Leadership from the inside out, TCLG, Minneapolis, 1998, p 15.
[8] Clive Staples
Lewis. Mere Christianity. Zondervan Publishing House. 2001, pg
88.
[9] John
Maxwell. Op cit.
Resenha: “Liderança e as Marcas da Integridade” – Ronaldo Lidório
Ronaldo Lidório é um missionário, antropólogo e teólogo brasileiro amplamente reconhecido por seu trabalho entre povos indígenas e por sua profunda reflexão sobre liderança cristã. Tive o privilégio de participar de uma capacitação antropológica com ele, onde sua sensibilidade cultural e compromisso com o Reino de Deus se revelaram de forma marcante.
No texto “Liderança e as Marcas da Integridade”, Lidório destaca que a liderança cristã deve ser marcada por santidade, coerência e caráter. Ele argumenta que o líder íntegro não é aquele que apenas exerce autoridade, mas aquele que vive de forma irrepreensível, sendo exemplo no falar, no agir e no servir. A integridade, segundo ele, não é um adorno, mas o alicerce da liderança no Reino.
Essa reflexão dialoga diretamente com um estudo que desenvolvi sobre o presbiterato e o modelo representativo de governo, onde proponho o binômio “carisma-caráter” como essencial à liderança cristã. O carisma pode atrair, mas é o caráter que sustenta. A liderança que representa a comunidade precisa ser tanto inspiradora quanto confiável.
Algumas perguntas de aplicação que emergem da leitura:
Minha liderança reflete mais carisma ou caráter?
Tenho buscado coerência entre minha vida pública e privada?
Como posso cultivar uma integridade que inspire e edifique outros?
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