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CONTO - OURO DE TOLO

Ouro de Tolo.

Por Manoel Gonçalves Delgado Junior.

"Aí daquele que faz gaiolas para os seres humanos."

“Porque entre o meu povo se acham perversos; cada um espia como quem arma laços; põem armadilhas para apanhar os homens. Como uma gaiola cheia de pássaros, assim estão as suas casas cheias de engano; por isso se tornaram poderosos e enriqueceram.” Jeremias 5:26-27.

Durante uma madrugada insone, nosso protagonista, fragilizado pelas circunstâncias de sua vida, perambulava pela casa como um espectro noturno, trajando pijamas e pantufas. Após vagar sem rumo, finalmente sentou-se no sofá da sala, pegou uma bebida gelada e, com os olhos entreabertos, iluminado apenas pela luz do televisor, começou a zapear os canais, tentando inutilmente encontrar algo para assistir.

A programação noturna é uma terra selvagem, habitada por reprises, apresentadores que julgávamos aposentados, vendedores de joias, gado e tapetes persas. Além disso, figuras perigosas aproveitam-se desse horário para angariar prosélitos e alvos de suas investidas financeiras, oferecendo facilidades às almas que, mesmo após um fatigante dia de trabalho, não conseguem conciliar o sono. Esses oportunistas são semelhantes aos peixes de aquário chamados "limpa-fundo", que vivem dos detritos dos peixes ornamentais, operando na mais profunda linha do cascalho colorido.

Enquanto zapeava a esmo, nosso triste protagonista remoía sua semana de humilhações no trabalho. Não era o mais esperto dos colaboradores, tampouco o mais simpático; vivia estritamente como um sobrevivente, num mito redivivo de Sísifo, empurrando-se de um mês a outro, tentando inutilmente equilibrar um fugaz salário.

A programação mudava ao acaso, formando um mosaico desbotado de cores opacas e escuras. Nada era capaz de aliviar sua insônia e as reflexões sobre as oportunidades perdidas na vida. "Eu poderia ter viajado mais, ter me tornado um músico, ou quem sabe um pescador ou jogador de futebol", pensava ele. "Minha vida poderia ter tido mais significado, e este sono não vem", assim se desenvolvia a trama deste protagonista fadado à tragédia.

De repente, tudo mudou. Num derradeiro clique no controle remoto, uma imagem encheu de luz toda a sala. A monotonia e a monocromia da programação noturna foram sublimadas por um raio de luz na madrugada. Um homem de bigodes e terno claro, com voz firme e figura iluminada, finalmente saltava da tela para o campo de percepção do nosso protagonista.

"O que será que ele tem a dizer?", pensou. Era como se uma voz firme e familiar o tivesse aquecido; agora, só restava deixar amanhecer este calor em seu peito e prestar atenção nesta mensagem noturna.

— Hei você! — dizia o arauto da madrugada. — Esta fala é para você mesmo, meu amigo! Sua vida precisa mudar urgentemente; você está no fundo do poço, e o poço é sem fundo. E eu tenho algo a lhe dizer, agora mesmo!

"Como ele poderia saber o que estou passando?", questionou-se o nosso pobre protagonista, mas mal sabia ele que suas desventuras estavam apenas começando.

— Eu tenho um tema muito controverso para falar com você agora. Mas, antes de formar uma opinião, considere os fatos. Eu darei fatos cristalinos e falarei toda a verdade, e você poderá julgar por si mesmo o que deve fazer.

Aliás, quando foi em sua vida que algum poder de decisão esteve realmente em suas mãos calejadas? Quem realmente se importa com você? É tudo um grande jogo para manter os pratos girando, e você, como aquele malabarista de circo, fica como um peru bêbado, indo de um lado para o outro, tentando manter a engrenagem da sua vida funcionando.

"Como ele poderia saber disso também?", pensou o protagonista. Era quase como um oráculo na programação da TV da sala. Há muito tempo, nosso personagem não se sentia tão compreendido.

De repente, um tema em caracteres maiúsculos e na coloração dourada com brilho apareceu na tela: OURO DE TOLO.

— Sim, este é o tema que gostaria de lhe apresentar. Mas, antes que você emita um julgamento, irei, com muita coragem, lhe apresentar uma sequência de fatos, e você, pela primeira vez em muito tempo, poderá escolher.

— Você, com sua mente esclarecida, poderá julgar cada fato. E, se algum deles impedir a sua análise lúcida, você poderá facilmente se desvencilhar.

Fato número 1: Ouro de tolo é falso. Seu nome é pirita. Ele parece ouro de verdade, mas não é verdadeiro.

Fato número 2: A maioria das pessoas acredita que ouro de tolo não é verdadeiro.

"Nisto preciso concordar", disse nosso telespectador enquanto meneava a cabeça.

Fato número 3: Apenas uma minoria, incrivelmente pequena, apesar de todas as objeções, ainda acredita que a pirita seja ouro de verdade. Certo?

Fato número 4: Estamos claramente apresentando aqui ouro de tolo para você. E você não é obrigado a nada. Que fique bem claro.

— Se eu parasse por aqui, o assunto estaria resolvido. Você concorda comigo? Mas existem outros fatos muito pertinentes que você precisa considerar esta noite.

Neste momento, o ângulo da câmera da TV muda. Uma mesa, coberta com um tecido de seda branco, é revelada. E, abaixo do pano, repousavam várias pepitas de metal dourado reluzente. Nosso apresentador, com seu terno branco engomado, caminha em direção à mesa. A câmera foca de forma fechada em seu rosto e no brilho das pedras reluzentes.

— E então, meu caro, eu preciso lhe apresentar agora alguns outros fatos.

Fato número 5: Os ricos são a grande minoria da população mundial.

Fato número 6: Os ricos são o que são porque são diferentes dos demais.

Fato número 7: A grande maioria é incapaz de compreender o que as pessoas bem-sucedidas fazem, e isto porque eles têm um olhar e percepção diferentes.

Fato número 8: Estamos hoje vendendo ouro de tolo, certo? E uma grande quantidade de pessoas, senão a maioria, julga que isto é prejuízo na certa.

"Espera aí; isto é loucura! Quem compraria ouro de tolo?" Pensou nosso protagonista com objeções internas.

Fato número 9: Muitos vão descartar a possibilidade de adquirir o que estamos oferecendo, e apenas uns poucos irão, contrariando o senso comum, fazer uma aquisição contraintuitiva.

Fato número 10: Assim como os ricos e bem-sucedidos são minoria, aqueles que, contrariando as nossas advertências, vão adquirir o ouro de tolo, são uma pequena parcela de pessoas!

— Você não acha estes fatos interessantes? Nós jogamos limpo aqui. Quero saber agora onde estão os tolos que, contrariando tudo, apostam todas as suas fichas nesta aquisição única, nesta oportunidade singular. Só os ricos, os bem-sucedidos e os nossos clientes se encaixam nesta categoria seleta de pessoas que não são como as demais.

Então, umas placas apareceram na tela, com a chamada à ação: -Compre! Oferta limitada! Apenas os tolos terão interesse! E nesta hora, tomado pela euforia e por um raciocínio claramente obscurecido, nosso fatídico telespectador fez o inimaginável: comprou uma grande quantidade de pirita, e tudo a peso de ouro.

Passado o ato impensado, após perceber a ruína de suas economias, que lhe haviam sido habilmente surrupiadas, tentou inutilmente processar o falacioso comunicador.

"Preciso reaver o que me tiraram" dizia inflamado.

Mas após a detida demanda, concluiu-se nos autos do processo que, em todos os momentos, o farsante havia sido verdadeiro e que o seu produto era, de fato, ouro de tolo!


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