REFLEXÃO - O PRINCÍPIO DA FIDELIDADE NA CONTRIBUIÇÃO. UMA REFLEXÃO PASTORAL PARA OS TEMPOS DE COVID-19.
“Trazei todos os dízimos a casa do tesouro, para que haja mantimento em minha casa e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu vos abrir as janelas dos céus e não derramar sobre vós benção sem medidas. ” (Malaquias 3:10)
Vivemos dias difíceis, na sociedade e
entre o povo de Deus. Crise ética na nação e escândalos envolvendo líderes
eclesiásticos são a tônica dos noticiários, o surgimento de falsos líderes e
profetas, homens gananciosos e inescrupulosos que faturam grandiosas cifras a
partir da boa vontade dos fiéis. Não bastasse este quadro há que se mencionar
ainda as noções teológicas equivocadas sobre o uso do dinheiro que vão desde
uma falsa teologia da prosperidade, que ensina que prosperidade é sinônimo de
êxito espiritual, até uma igualmente falsa teologia da pobreza, que advoga que
a santidade do ministro e do povo deve ser medida por sua escassez de recursos,
penúria e sacrifício pessoal, o que tem justificado a negligência nas
contribuições sob o pretexto da valorização da santidade da pobreza. Já ouvi de
pessoas que elas deixavam o pastor e o missionário passarem necessidade pois
isto seria bom para piedade deles! Além disto temos agora uma pandemia com
repercussões severas e imprevisíveis para o emprego e renda, o que certamente
constitui um desafio para a vida de muitas pessoas, bem como para a própria
igreja que tem vivido este momento. Tais realidades são de fato desafiadoras, e
requerem atenção de todos, porém nenhuma delas justifica a infidelidade ou
negligência ao princípio da contribuição, nas igrejas locais onde servimos e
congregamos.
O livro do profeta Malaquias, escrito no
contexto pós-exílico, registra que a nação de Judá, após a reconstrução do
templo (sob Zorobabel) e restauração das Muralhas (sob Neemias) carecia de uma
profunda reforma de vida, que levasse a comunidade da aliança a vencer sua
letargia espiritual. Eles ainda enfrentavam os mesmos desafios básicos vividos
nos dias de Neemias: sacerdócio corrompido, retenção dos dízimos, frieza
espiritual e prática dos casamentos mistos. Segundo Hernandes Dias Lopes o povo
estava vivendo em grande ceticismo.[LOPES, Hernandes Dias, p.14-15]
Dentre
os temas apresentados no livro. Um deles se destaca, por sua contemporaneidade.
O da retenção dos dízimos e ofertas. Esta advertência profética está registrada
no capítulo 3:6-12, do livro de Malaquias. Nela o povo é conclamado a se voltar
para o Senhor, retornando para Ele que é o Supremo provedor. Este retorno que o
profeta menciona é o arrependimento que era esperado devido a retenção que
estava sendo feita dos dízimos e ofertas que deixaram de ser entregues
inviabilizando a manutenção do serviço religioso na casa de Deus.
Tal
desvio foi duramente contestado pela escritura profética onde Deus afirma por
meio do profeta Malaquias: “Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais
e dizeis em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas.” A consequência de
tal desvio da nação, foi a interrupção das bênçãos inerentes a aliança, em
virtude da disciplina do Senhor que pesava sobre os filhos de Israel: “Com
maldição sois amaldiçoados, por que me roubais a nação toda.” Esta
disciplina divina consistia em uma resposta do Senhor da Aliança à infidelidade
do seu povo. Povo que prosperava pela mão do Deus eterno, mas era incapaz de
voltar-se a ele em gratidão, reconhecendo que as primícias de sua obra,
deveriam ser tributadas ao Senhor, em conformidade com as prescrições do pacto.
Era
necessário que os Israelitas se voltassem para o Senhor em completa fidelidade
e submissão, entregando fielmente os dízimos e ofertas, para que adoração teocêntrica
no contexto da aliança mosaica fosse viabilizada. Como consequência deste
retorno, eles experimentariam em suas vidas duas realidades vindas da parte de
Deus: As bênçãos da aliança, e a proteção contra o devorador. É importante
mencionar, que esta benção e prosperidade prometida, não estava dissociada de
outros princípios da aliança, que consistiam em observância de uma mordomia
divinamente instituída, assim as bençãos decorrentes da fidelidade a esta
aliança, não eram de ordem mística ou mágica, antes pressupunham a prática fiel
e sistêmica de todas as demais ordenanças divinas. Assim, podemos dizer que o
princípio da fidelidade associado a uma vida simples destituída de ganância e
corrupção, do exercício zeloso e excelente do trabalho compreendido como uma
vocação divina, e da generosidade e misericórdia demonstrados aos israelitas e
estrangeiros, todos estes elementos faziam parte de um conjunto de fatores
determinantes para o êxito e progresso material do povo de Deus na Terra. Não
se tratava tão somente de ser fiel a ordenança dos dízimos, antes tratava-se de
ser fiel a Deus em todas as prescrições do pacto, inclusive no princípio da
contribuição. [Sobre isto ver HILL, Greg; PITTS, Earl, Bens Riquezas e
Dinheiro. Princípios Bíblicos de Finanças Family Foudations, 2002.;Ou WEBBER,
Max A ética protestante e o Espírito do captalismo. Martin Claret; ou
ROBERTSON, O Palmer, O Cristo dos Pactos, Cultura Cristã São Paulo:2001] Embora
não estejamos mais submetidos ao contexto da aliança mosaica. O princípio da
contribuição é permanente. Uma vez que, a obediência a tal princípio antecede a
própria aliança mosaica, e também encontra-se presente na nova aliança, sendo
parte integrante da prática neotestamentária e da própria ordem criacional. É
sobre a fidelidade a este princípio, aplicado ao contexto das igrejas locais
que a presente reflexão tem objetivo de elucidar.
A
carta pastoral da IPB de 2018 sobre dízimos e ofertas sumariza bem estas observações
de ordem bíblico-teológicas:
“O
ensino teológico sobre Dízimo está presente no Antigo e Novo Testamentos. O
dízimo foi praticado antes da lei, no sacerdócio de Melquisedeque (Gênesis
14:20); foi ensinado na lei, durante o sacerdócio levítico (Números 18:1- 32;
Deuteronômio 14:22-29; Levítico 27:30-32); e também é praticado hoje, no
sacerdócio de Cristo (Mt 23.23; 1ª Coríntios 9:11-14; Hebreus 7:10)”20; Dízimo
e ofertas, embora possuam diferenças quanto a proporção, valor, propósitos e
regularidade, tem a ver com adoração cristocêntrica. Ninguém deve se apresentar
diante de Deus de mãos vazias; O cumprimento da lei em Cristo não desobriga o
cristão a viver os princípios que se originam da prática veterotestamentaria de
generosidade, desprendimento, planejamento e proporcionalidade; Cristo ordena o
dízimo no Antigo e Novo Testamentos; A aplicação do dízimo no Novo Testamento
como contribuição regular é uma prática correta e esperada por parte da igreja,
sendo que a contribuição pode até exceder ao percentual estipulado de 10%,
quando incluídas as ofertas. [CARTA PASTORAL SOBRE O DÍZIMO 2018,
p.21]
Alguns
poderão contrapor dizendo:
1-“Deus
não precisa de dinheiro.” - Verdade, mas a manutenção de sua casa (leia-se igreja) sim! Com este recurso arrecadado o serviço religioso é mantido e
a obra missionária é impulsionada, e a diaconia é realizada. Longe de ser um
período onde a igreja interrompe as suas atividades, talvez esta seja
precisamente a época onde a sua ação é imprescindível, trazendo alento aos
desesperançados, comunicando a palavra e exercendo a misericórdia com
sensibilidade e a intensidade que o momento exige.
2-“Eu
mesmo administro os recursos!” – Mas o princípio bíblico orienta a
entregarmos os dízimos e ofertas na casa do tesouro, ou, transpondo para o
contexto da nova aliança contribuirmos para a manutenção da igreja local,
comunidade onde servimos e congregamos e ao corpo de cristo como um todo em sua
missão neste mundo. Quem deseja ajudar uma causa externa deveria fazer isto com
ofertas especiais, não com o seu dízimo. Os líderes devem por sua vez,
administrar com fidelidade os recursos auferidos, sabendo que prestarão contas
a de Deus e aos homens, conforme as leis de Deus e a legislação vigente do
país.
3- “Não confio na Igreja.” – Então
a orientação mais adequada seria a de procurarmos uma igreja local fiel, e
então congregarmos ali! Antigamente se dizia: Procure uma igreja mais próximo
da sua casa, hoje em dia, porém precisamos advertir: procure uma igreja mais
próxima de sua Bíblia! No caso particular da Igreja Presbiteriana do Brasil –
IPB, podemos afirmar que temos uma denominação séria e bíblica, fiel a causa do
evangelho, que administra os seus recursos com transparência e devida prestação
de contas. Nesta denominação adota-se os dízimos e ofertas como forma de
contribuição e aplica-se o princípio de descentralização, ou seja, a maior
parte dos recursos arrecadados (85%) são retidos e administrados pela igreja
local e o montante de 15 % são revertidos para os concílios maiores Presbitério
5% e Supremo Concílio 10% respectivamente. Destes recursos, o sustento do
trabalho missionário APMT e JMN, e a evangelização por rádio e TV, e a obra
social e educacional, e atividades conciliares e de autarquias são realizadas
em todo o País.
4- “Estou ajudando o meu antigo ministério local, eles
precisam mais neste momento”- Este é um raciocínio injusto, pois não
considera a soberania de Deus que nos conduziu ao lugar onde estamos. Além
disto, esta abordagem não é sensível as possíveis necessidades do campo onde congregamos. Meus avós tinham um antigo ditado que resume bem o quero
dizer neste ponto: “O galo, onde canta, janta!”
5- “A
carga de impostos é excessiva.” - De fato, precisamos reconhecer que a
carga de tributos a que estamos submetidos em nosso país é absurda, tal carga
que segundo estudos chegaria a 35%, é muito superior ao que o povo pode
suportar. Além disto, existe a chaga da corrupção e da ostentação de recursos
públicos, que drenam os vultosos recursos arrecadados, o endividamento público
a ineficiência e burocracia estatal, o patrimonialismo. Toda esta realidade é
triste e inaceitável, requerendo de nós cidadãos conscientes a devida reação e
fiscalização, e da igreja uma maior sensibilidade face ao sofrimento do povo e uma devida cobrança das autoridades competentes, mas da mesma forma que a sonegação de
impostos é indevida, a retenção de dízimos e ofertas é inadequada. Nenhum
destes fatores, por si mesmos, nos autorizam a negligenciarmos o princípio da
contribuição. Dr. Augustos Nicodemos em uma pastoral sobre dízimos e ofertas
[Vídeo disponível na Internet], menciona que em denominações reformadas de
outros países existem, outras formas para a arrecadação de recursos financeiros, o estudo
do tema e o conhecimento destes casos específicos, é muito importante, e poderá
ajudar a igreja brasileira na formulação de alguma ação pastoral específica,
mas é importante mencionarmos aqui, que tais iniciativas procedem das igrejas
(denominações e igrejas) que sob determinadas circunstâncias, podem abrir mão de direitos e privilégios, tendo em vista as
realidades particulares e locais, o que jamais inviabiliza o princípio bíblico
da contribuição, que deve ocorrer segundo Dr. Nicodemus com proporcionalidade,
fidelidade, e regularidade.
6-Qual
o valor exato a ser entregue? Precisa dar dez por cento mesmo? Arredondamos
para cima ou para baixo? O que eu faço com o valor acumulado que eu deixei de
entregar? Quem faz este tipo de especulação pode estar
querendo entregar menos do que realmente deve, ou o mínimo devido, em tais
casos, este seria um raciocínio inadequado. Ao invés de dar uma resposta
específica a estas questões (estas dúvidas, porém, quando legítimas, devem ser
respondidas pelas lideranças no contexto local, à luz da Palavra de Deus), recomendaria apenas a sondagem
do próprio coração. Devemos entregar os dízimos e ofertas com fidelidade,
generosidade, fé e genuína expressão de alegria. Isto faz parte principalmente
de nosso relacionamento com Deus que é o Senhor de toda a criação, e nos estabeleceu
como administradores (Oikodomeus, Major Domus, Mordomo…), assim devemos exercer
uma boa mordomia, reconhecendo que tudo procede de Deus, e livremente nos
comprometermos com o progresso da causa do evangelho, reconhecendo ainda o
sublime privilégio que nos foi concedido de participarmos do seu reino. Caso
contrário, podemos estar apenas num exercício meramente religioso e legalista.
Semelhante ao dos fariseus, que foram reprovados por Jesus. Na dúvida seja
generoso! O livro de Atos 2:42-47 tem um excelente exemplo desta generosidade,
que fazia com que a adoração dos crentes, da nova aliança superassem toda e
qualquer, expectativa meramente legalista ou ritualística:
“E
eles perseveravam no ensino dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas
orações. 43 Em cada um havia temor, e muitos sinais e feitos extraordinários
eram realizados pelos apóstolos. Mc 16:17; At 5:12; 44 Todos os que criam
estavam unidos e tinham tudo em comum. Dt 15:4; At 4:32; 45 Vendiam suas
propriedades e bens, e os repartiam com todos, segundo a necessidade de cada
um. Is 58:7; At 4:35; 46 E perseverando de comum acordo todos os dias no
templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e simplicidade de coração,
At 1:14; At 20:7; 47 louvando a Deus e contando com o favor de todo o povo. E o
Senhor lhes acrescentava a cada dia os que iam sendo salvos. At 5:14; At
11:21;”[Atos dos Apóstolos, 2:42-47, ALM21]
7- Devido à crise não tenho como ajudar. Se
este realmente for o caso, descanse o seu coração. Ninguém precisa dar o que
não possui. Porém é necessário que sejamos honestos, pois em tempos como estes,
a generosidade e fidelidade são ainda mais necessárias. No caso
de carência de recursos, é necessário que no próprio corpo de Cristo, pela
instrumentalidade da Igreja, venhamos a suprir as necessidades uns dos outros.
Me lembro do grande reformador João Calvino, que estabeleceu o fundo francês
para os cristãos huguenotes refugiados em Genebra. Os cristãos sempre deram um importante testemunho de amor e misericórdia em tempos difíceis. Devemos estar abertos a receber auxílio quando necessário, e a estendermos a mão sempre que possível.
Conclusão. Que
tipo de igreja devemos ser neste momento? Que tipo de cristãos este conturbado
mundo precisa? Certamente o mundo precisa de cristãos comprometidos e
generosos, que façam a diferença por palavras e obras demonstrando publicamente
que Jesus é o Senhor.
Querido
irmão(ã), que eu e você, mantenhamos o princípio da fidelidade na contribuição,
com a certeza de fé de que Deus permanece fiel, sustentando a sua igreja mesmo
em dias difíceis.
Rev. Manoel
Gonçalves Delgado Jr.
Comentários
Postar um comentário