LEITURA - GILEAD, MARILYNNE ROBSON
RESENHA.ROBINSON, Marilynne, Gilead, Tradução: Maria Helena Rouanet, Rio de Janeiro. Ed. Nova Fronteira 2005, 304p.

Gilead é uma obra que marca o retorno de Robinson ao gênero de ficção (24 anos após House Keeping) e inaugura um universo ficcional, desenvolvido pela autora na trilogia vinculada à cidade de Gilead. Esta obra recebeu o prêmio Pulitzer de 2005, o maior prêmio da literatura americana e tem sido reconhecida como um dos romances mais importantes produzidos nos EUA, neste século.
Em Gilead, Marilynne demonstra influência e familiaridade com a teologia evangélica, em especial com autores reformados. Apresenta também um profundo conhecimento da história e cultura americana do século XVIII e XIX, e de meados do século XX. Como pesquisadora e professora reconhecida Robinson desenvolve a sua narrativa com a profundidade devida e a sensibilidade de uma verdadeira contadora de histórias.
Considerando que se trata de um romance. A análise requer que façamos uma breve descrição do seu enredo e principais temas. Enredo: Jhon Ames III, pastor de uma fictícia cidade do interior dos EUA, aos 76 anos e acometido de uma doença cardíaca, angina. Decide escrever para o seu filho de apenas sete anos as suas memórias, registrando as suas origens e reflexões espirituais.
A partir deste enredo somos introduzidos aos diversos personagens da história.O avô de Jhon Ames, um pregador abolicionista. O pai de Ames um ministro pacifista, e o seu irmão, Edward, um brilhante e promissor estudante que ao entrar em contato com a cultura alemã e o liberalismo teológico, acabou deixando a fé e o costume religioso de seus pais, influenciado pela leitura Fuerbach. Sabemos por estas memórias, que o protagonista é viúvo e está em um segundo casamento, com Lila, que é bem mais jovem do que ele, e que os dois tiveram um filho que possui apenas sete anos, e que os mesmos possuem poucos recursos financeiros, residindo na antiga casa pastoral. Este quadro retrata a vida de muitos pastores, que dedicam boa parte de suas vidas ao ministério. E acabam não acumulando recursos em sua idade avançada. A chegada do afilhado de Jhon Ames (Jack) após vinte anos, e a sua vida pródiga, e confissões feitas ao Rev. Jhon Ames, são o elemento desenvolvido e explorado no enredo. Ryken relata um conflito interior Jhon Ames em sua relação com Jack: “Embora amado além do que merece, Jack humilhou sua família no passado ao, entre outras coisas, engravidar uma moça da fazenda local. Ele voltou a Gilead com outro segredo, o qual revelou apenas para Ames: uma companheira e um filho (“de cor”) no Mississipi. Ames luta com sua irritação sobre a má conduta de Jack e com seu próprio senso de culpa por não amar o seu afilhado ou dar-lhe a direção pastoral que ele precisa e quase parece desejar. Deus ainda dispensa graça a este filho obstinado?”
Os principais temas desenvolvidos na obra são os da brevidade da vida, a inexorável realidade da morte, a relação entre pais e filhos, e entre irmãos, mas como bem considerou Ryken todas estas não captam essência de Gilead. Para ele, em um nível mais amplo, o livro de Robinson também pode ser lido como um recontar imaginativo da história do cristianismo protestante nos Estados Unidos, com os membros da família Ames ocupando o lugar das principais tradições e personagens típicos da religião americana após os Puritanos. Esta também é a posição de Marcelo Pen crítico da Folha de São Paulo que considera Gilead uma fábula religiosa.[Resenha da Folha de São Paulo.]
Reflexão crítica sobre obra e implicações para o ministério. Devido a opção da autora, que adotou um estilo epistolar, a obra é reflexiva destituída de grande movimento. Isto pode soar monótono para o leitor contemporâneo acostumado as rápidas transições que caracterizam as narrativas em nossa cultura midiática. Como disse um resenhista, "Marilynne Robinson não está interessada em fazer com que sua narrativa seja palatável, de fácil degustação: o tom do romance é grave, reflexivo e em momento algum busca emoções rasteiras. Tanto que, para degustá-la, o leitor tem de sorver, palavra a palavra, e sem pressa, a beleza serena que verte das páginas, sem querer devorá-las. É preciso deixar-se conduzir pelo tom confessional e introspectivo adotado pelo protagonista ao falar de sua vida como quem tenta nela encontrar um sentido, diante da perspectiva do inevitável fim" [ Pádua, Resenha Gilead. ].
Existe uma escassez de representações evangélicas e pastorais na literatura contemporânea. Neste sentido, a trilogia de Robinson é uma importante contribuição. Sobre a necessidade de uma obra como esta, a própria autora, apresenta a sua justificativa: “Comecei a escrever Gilead depois de um quarto de século sem escrever ficção. A priori, se tivesse levado a um agente a história de um homem idoso morrendo em Iowa em 1956, dizendo que tinha essa ideia para um romance, o agente teria me respondido: “Talvez você possa encontrar algo mais interessante.” Mas você deve escrever o livro primeiro e depois descobrir se há leitores ou não. Isso não pode ser antecipado [Entrevista Marillyn Robinson à Barack Obama, fonte El País.].”
Um outro aspecto importante para reflexão, a partir da leitura de Gilead é sobre o ministério pastoral desenvolvido em cidades pequenas e rurais. Ainda que tenhamos uma considerável distância temporal e geográfica, da fictícia Gilead dos anos 50, narrada por Robinson. Existe um forte senso de identificação entre as realidades descritas pela autora e o ministério desenvolvido nas pequenas cidades do interior brasileiro. Eu mesmo tive alguns momentos de forte identificação com a obra, ao refletir sobre a minha trajetória ministerial saindo de uma capital e indo pastorear em uma jovem cidade do interior brasileiro. Sabemos que o ministério é profundamente influenciado pelo contexto, e Gilead capta isto muito bem. Nas grandes cidades, muitos cristãos do interior, vem por migração para os grandes centros, e acabam representando uma parcela significativa das igrejas locais. Estes cristãos chegam nestes centros, trazendo consigo o universo cultural e simbólico do interior rural, eles trazem a sua própria experiência de Gilead. Mas ao chegarem nestes centros encontram um contexto muito diferente daquele deixado em sua cidade Natal. Agora eles precisam adaptar-se ao caráter plural e policêntrico das grandes cidades.
No pano de fundo, desta obra percebemos, ainda que de maneira tênue, a perspectiva teológica da autora, que eu consideraria uma espécie de humanismo cristão. Na entrevista concedida em 2015 para o ex-presidente Barak Obama, Robinson sintetiza um pouco sobre esta perspectiva de espiritualidade que ela também identifica no pensamento religioso de Obama: “Mas em minha tradição religiosa, em minha cristandade, o mundo em si mesmo é uma revelação. Não se diz: “Isto é profano e isto é religioso”. Tudo cabe sob o mesmo guarda-chuva. A pergunta é: o que se aprende com isso?, o que se vê?, o que se descobre? É a ideia de que Deus está envolvido intrinsecamente em todas as vidas, em todos os seres. Quando você encontra outro ser humano, assume que é Deus te fazendo uma pergunta. O que Deus quer desta situação? E é preciso recordar que Deus é tão leal à pessoa com quem você está, inclusive com teu inimigo, quanto é contigo. Trata-se de uma visão de mundo baseada em um questionamento aberto, na ideia de que o mundo é sagrado, de que Cristo define o comportamento que é humano, humanamente desejável, de que há motivos profundos para a confiança. É uma espécie de espiritualismo deste mundo, muito intenso, quase um misticismo. Muita literatura americana vem disso: Dickinson, Thoreau, Emerson, Melville.” [Entrevista Marillyn Robinson à Barack Obama, fonte El País.].”
Esta visão é retratada no episódio do batizado dos gatos. Quando a autora apresenta a sua visão sobre o caráter sagrado da vida, veiculada pelas reflexões do reverendo Jhon Ames.
Referências:
Gilead,
Marilynne
Robinson,.http://professorpadua.blogspot.com/2017/02/gilead-marilyne-robinson-resenha.html
acessado
em 20/11/2019
PEN,
Marcelo,. Robinson constrói fábula conservadora, Folha de São
Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0701200612.htm
acessado
em 20/11/2019
QUEIROZ,
Luiz Miguel, Marilynne Robinson vence prémio da crítica literária
com Lila,
https://www.publico.pt/2015/03/13/culturaipsilon/noticia/marylinne-robinson-vence-premio-da-critica-literaria-com-lila-1689061
Acessado em 20/11/2019
Marilynne
Robinson, a escritora que Obama cita em seus discursos. Entrevista,
fonte El País.
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/26/eps/1456498823_454651.html
Acessado
em 23/12/2019
RYKEN,
Philip G., Captando a essência de
Gilead.https://voltemosaoevangelho.com/blog/2018/03/10-falsos-cristos-pregados-pelo-cultura/
acessado em 20/11/2019
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