LEITURA - IGREJA? TÔ FORA! RICARDO AGRESTE

RESENHA: AGRESTE, Ricardo, Igreja? Tô fora! Santa Bárbara d´Oeste, São Paulo: SOCEP EDITORA 2007. (págs. 130)
Sobre o autor e obra. Reverendo Ricardo Agreste é o pastor e plantador de uma das igrejas locais mais inovadoras do país1. Seu ministério exerce significativa influência no meio evangélico, o que pode ser evidenciado pela sua participação num importante movimento de plantação de novas igrejas, e pelo fato, do mesmo lecionar em diversas instituições teológicas brasileiras, sendo um conferencista requisitado no Brasil e exterior. Agreste é casado e pai de 3 filhos. Graduado em Teologia e Filosofia, é mestre em Missões Urbanas pelo Calvin Theological Seminary (MI, EUA). Pastor da Igreja Presbiteriana Chácara Primavera2 e um dos fundadores do Projeto Timóteo e do Centro de Treinamento de Plantadores de Igreja, CTPI.
Nesta obra, o autor procura desenvolver reflexões pastorais, sobre as principais razões para a rejeição ou dissociação entre o exercício da espiritualidade pessoal e a participação em uma igreja local. Em outras palavras, por quais razões, muitas pessoas não se identificam com a Igreja, e tem dificuldades para associarem-se em uma comunidade local. Na apresentação da obra, o Pastor Eduardo Rosa Pedreira afirma que uma das virtudes deste livro consiste na capacidade do autor em promover um diálogo necessário entre perspectiva interna, a autocompreensão da Igreja, e a perspectiva externa, a cultura circundante à Igreja: Aqui reside um dos aspectos de singularidade deste livro: um pastor que faz uma reflexão sobre a igreja unindo a perspectiva interna à externa.3 O autor reconhece que algumas objeções que as pessoas apresentam para não congregarem são legítimas, mas procura demonstrar que a Igreja, quando corretamente vive na perspectiva bíblica e missional, não é hostil a cultura, mas sim um elemento de transformação da mesma, a Igreja quando vive biblicamente orientada é totalmente identificada com a espiritualidade cristã. O autor também procura demonstrar a complexidade do cenário evangélico contemporâneo fazendo uma severa crítica à cultura individualista e consumista que tem afetado a maneira como as pessoas compreendem o evangelho, e se relacionam com a igreja e o ministério.
Perspectiva teórica. Para a presente obra o autor se vale da coleta e análise de depoimentos de pessoas com as quais teve contato ao longo do seu ministério. Este expediente, permitiu uma análise qualitativa do fenômeno estudado. Nas palavras do autor, esta análise foi fundamental para a formulação da presente obra:“Nos últimos anos, boa parte de meu tempo tem sido dedicado a encontros e conversas com pessoas que jamais tiveram uma relação constante e regular com uma igreja local instituída.”4 Além desta análise, o Agreste faz uma análise sócio-cultural, sobre as características da cultura pós-moderna, e do cenário urbano brasileiro, ao mesmo tempo, que analisa a prática ministerial das Igrejas existentes. Deve-se ainda observar que o autor desenvolve um estudo bíblico-teológico acerca da igreja e sua missão.
Breve síntese da obra. A obra está dividida em cinco capítulos. No Capítulo 1, um problema crônico seu DNA, o autor apresenta o problema do pecado no seio da comunidade cristã. Lembrando que os santos do Novo Testamento são pecadores, justificados por Cristo em processo de santificação. Muitas pessoas por não compreenderem esta característica da Igreja se escandalizam e deixam de participar das comunidades cristãs. Isto não deve ser compreendido como uma aceitação irrestrita ao pecado, mas sim como um chamado de Deus para uma verdadeira mudança de vida por meio do Evangelho de Jesus Cristo. Nas palavras do autor: “O grande segredo do qual estou falando é a percepção e compreensão correta do DNA da igreja. Em outras palavras, se observarmos a matéria-prima usada por Deus para fazer, a partir dela, o seu povo, compreenderíamos que o propósito principal de Deus, através da igreja, não é criar um grupo de pessoas que propaguem e divulguem suas virtudes enquanto indivíduos, mas sim as virtudes de Deus em amá-las, perdoá-las e restaurá-las através da obra de Jesus Cristo.”
Capítulo 2, um inimigo externo: A Cultura. Nesta seção o autor, analisa a influência da cultura dentro e fora da Igreja. A cultura, em si mesma tem elementos que expressam os valores do Reino de Deus sendo um reflexo da imagem e semelhança de Deus, e a sua existência decorre da ordem criacional. Por outro lado, as culturas também apresentam em sua dinâmica os desvios e padrões nocivos provenientes do pecado humano, em rebelião contra o Criador. Assim, sempre que nos deparamos com a análise de uma cultura, precisamos ter esta dupla perspectiva. Por um lado, na cultura podemos encontrar flashes da imagem e semelhança de Deus nos seres humanos. Por outro lado, nela também podemos encontrar valores e hábitos que refletem a desconexão entre eles e o Criador. Por isso, sempre teremos elementos positivos e negativos numa cultura em relação ao Evangelho. Sempre identificaremos aspectos que sabotam o plano de Deus para homens e mulheres e aspectos que funcionam como ponto de contato entre eles e o Evangelho de Deus. Agreste destaca em especial os riscos que a cultura de consumo tem causado na espiritualidade da Igreja. Esta cultura tem afetado os relacionamentos que se tornam instrumentalizados e superficiais, descaracterizado as pessoas que se tornam personas, uma versão potencializada e adoecida de si mesmas. Todos estes fatores, tem afetado diretamente as igrejas locais, que se tornam verdadeiras reféns desta cultura amplamente nociva. Para o autor o modelo para enfrentarmos estas realidades nocivas encontra-se nas sagradas escrituras, em especial na epístola de Paulo aos romanos (Rm.12.1-3). Onde lemos que não devemos nos moldar aos padrões culturais pecaminosos, mas renovarmos a nossa mente, tendo como referência o evangelho de Jesus Cristo. Para Agreste a igreja “contracultura” torna-se o espaço no qual somos desafiados a nos entregar totalmente à Deus, motivados à compreensão de seu grande amor por nós e a servirmos os que nos cercam com os dons que Deus nos tem dado.
Capítulo 3, Uma ameaça interna: Seus líderes. Neste ponto o autor faz uma auto-crítica reconhecendo que nem tudo são fatores externos. É necessário constatar também que “uma das razões por que pessoas na atualidade não querem saber da instituição chamada igreja está relacionada à imagem que possuem dos homens e mulheres que encontram-se à frente dela.” Jesus alertou sobre o perigo que os falsos líderes representavam, e os mesmos não eram novidade na antiguidade. Agreste lembra que “no contexto da espiritualidade cristã, desde seus primórdios a igreja teve que lidar com indivíduos que se levantavam com ensinamentos com roupagem cristã, mas com conteúdo completamente estranho aos ensinamentos bíblicos.” Muitos foram ou tem sido enganados por líderes que exibem carisma, mas não possuem caráter. Para o autor, porém, esta não pode ser uma objeção insuperável, para que verdadeiros seguidores de Cristo, participem de uma comunidade cristã, desde que esta seja composta por líderes sérios e comprometidos com a Palavra de Deus. Segundo o autor, para os líderes sérios e comprometidos o desafio enfrentado é o de pastorear o rebanho em tempo de falsos mestres:“Precisamos reafirmar que a constatação da existência dos falsos profetas não justifica a opção por uma espiritualidade disfuncional baseada na solidão e na autonomia. O desafio que temos diante do problema é crescermos em discernimento e em maturidade.
Capítulo 4, Um ponto de tensão: Sua missão. Neste capítulo o autor apresenta a tensão decorrente da falta de perspectiva missional dentro da igreja. Muitos dentro da igreja tem dificuldades compreender que a Igreja não é uma comunidade centrada em sua realização pessoal e bem-estar, mas sim uma agência onde o evangelho do reino é anunciado para as pessoas que são de fora e que precisam ser alcançadas pela proclamação do evangelho. Quando uma liderança procura desenvolver o propósito missionário da Igreja, uma tensão é instalada no seio da comunidade e as pessoas podem resistir a esta perspectiva. É necessário que a igreja local avalie as suas estruturas, programas e tradições à luz da missão que lhe foi confiada por Jesus. Em resumo, o autor nos convida refletirmos se “estamos dispostos a abrir mão de nossas manias e trejeitos para anunciarmos o Evangelho puro e simples?”
Capítulo 5, Mas afinal de contas, o que é Igreja? Neste último capítulo Agreste focaliza a eclesiologia. Neste sentido ele apresenta uma crítica aos modelos tradicionais e pragmáticos, representados pelas metáforas do hospital/casa de repouso, e da empresa respectivamente. A crítica repousa no fato de que nestes modelos, a missão é relegada a segundo plano, e outros critérios são adotados, consciente ou inconscientemente, em seu lugar. A seguir o autor faz a defesa do modelo de igreja como uma comunidade missional. “A igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus em missão no mundo”.
Principais teses desenvolvidas na obra. As teses principais podem ser resumidas nestas quatro grandes afirmações: (1) Existem algumas razões legítimas, ou compreensíveis para que pessoas se afastem de determinadas igrejas locais.(2) Existem fatores na cultura e sociedade, que dificultam a participação e envolvimento na igreja local. (3) Existem modelos de igrejas e ministérios pastorais, inadequados, ineficientes e irrelevantes que tem dificultado o envolvimento das pessoas na igreja local. (4) Uma correta leitura e compreensão da Igreja (eclesiologia), e da sua Missão (missiologia), demonstrarão que não existem objeções definitivas, ou problemas insuperáveis, para que a espiritualidade cristã seja desenvolvida em uma igreja local, na verdade este é o padrão bíblico.
Reflexão crítica sobre obra e as implicações para o ministério pastoral.
Para fins de análise crítica procurei confrontar a leitura da presente com o livro Revolução (AbbaPress) de George Barna, sobre o movimento dos “sem Igreja” nos EUA.5 Tanto Barna, quanto Agreste se valem de informações, depoimentos experiências de pessoas que não participam mais de Igrejas Locais. Porém, a perspectiva e leitura dos mesmos é distinta. Agreste reconhece, parcialmente, alguns motivos, ou razões, para o afastamento da igreja local, mas a sua resposta é negativa com relação a um modelo de espiritualidade fora da igreja local. Barna por sua vez, entende o movimento dos “sem Igreja” como um movimento do Espírito, reconhecendo as iniciativas de afastamento das igrejas locais existentes, como uma verdadeira “revolução”, uma evidencia do que Deus está fazendo nos EUA.
Para Agreste o caminho para a superação deste fenômeno consiste em não abandonarmos a igreja institucional, mas sim em empreendermos esforços para a revitalização da mesma, tornando-a mais sensível à cultura, e mais fiel ao seu propósito missional. Barna, por sua vez, demonstra uma aceitação quase irrestrita aos modelos alternativos de espiritualidade sem-igreja, defendendo que os mesmos seriam uma tendência desejável e irreversível.
Ainda que se pese que o contexto de Barna é a sociedade americana por volta de 2005, e o de Agreste o Brasil em 2007, portanto contextos distintos, é possível perceber que o mesmo problema já presente nos dois cenários é abordado com leituras distintas. A pergunta que poderíamos fazer é se o Brasil não caminha aceleradamente para um cenário semelhante ao norte americano, e se isto não poderia afetar a percepção deste fenômeno em nossa realidade brasileira? Como Agreste ancorou as suas análises, não só nos dados testemunhais e na análise sócio-cultural, mas sim e fundamentalmente na teologia bíblica acerca da missão e propósito da Igreja. É provável que a sua análise continue se sustentando ao longo do tempo.
A proposta que Agreste apresenta nesta obra é em favor da revitalização do ministério pastoral, e de atualização da igreja local. O seu próprio ministério é um exemplo, desta busca constante por uma igreja mais atenta e sensível aos que estão fora. Deve-se reconhecer porém, que este empreendimento não é fácil, e que ao longo desta jornada alguns equívocos, abusos e excessos poderão ser cometidos, sendo necessário a correção destes desvios, mas para isto, a Palavra de Deus deve ser o guia e referencial.
Particularmente como pastor tive uma identificação com a experiência pastoral descrita pelo autor acerca insubordinação e utilitarismo como característica da relação pastoral na igreja contemporânea: “Por mais que um pastor sério possa fazer, quando tiver a necessidade de recorrer a crédito junto às pessoas, bem possivelmente descobrirá que seu saldo é zero, se não negativo.” A afirmação do autor é incisiva, chocante porém verdadeira. O individualismo, o consumismo, e o hedonismo são obstáculos ao pleno exercício do ministério pastoral. Os escândalos agravam este problema, pois eles afetam a credibilidade da Igreja como instituição, e dos ministros como pessoas confiáveis.
Tive oportunidade de ler esta obra por ocasião de seu lançamento em 2007 quando participava de um treinamento do Instituto Haggai em Campinas6, e agora após alguns anos de reflexão e prática ministerial, pude refazer a leitura por ocasião dos estudos doutorais em ministério. Considero o tema desenvolvido pelo autor necessário e relevante. A linguagem desta obra é acessível, apesar da pertinente análise do tema desenvolvida pelo autor, sendo enriquecida por ilustrações, gráficos e testemunhos pessoais, o que qualifica esta obra um contexto mais amplo. A linguagem e organização dos capítulos se assemelha bastante a metodologia das séries de mensagens, pregadas semanalmente por Agreste, na igreja local na qual é ministro.
Bibliografia consultada:
AGRESTE, Ricardo, Igreja? Tô fora! Santa Bárbara d´Oeste, São Paulo: SOCEP EDITORA 2007.
BARNA, George, Cansado de Igreja? Revolução. Encontre uma fé vibrante além das paredes do santuário. São Paulo, SP: Abba Press 2007
1 A Igreja Presbiteriana Chácara Primavera define sua visão: “A Igreja Presbiteriana Chácara Primavera é uma igreja cristã de tradição reformada, plantadora de novas igrejas, atenta à cultura contemporânea e determinada a comunicar a vida em Jesus de forma criativa, acolhedora e transformadora. http://www.chacaraprimavera.org.br/quem-somos/nossa-missao-e-valores; Veja também: “Os novos evangélicos” Revista Época, Edição de 09/08/2010. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT161475-15228-161475-3934,00.html Consultado em 27/08/2019
2 Ricardo Agreste, Servo de Cristo: http://www.servodecristo.org.br/professor/ricardo-agreste, Consultado em 27/08/2019
3 Da Silva, Ricardo Agreste. Igreja? Tô fora! . Z3 Editora. Edição do Kindle.
4 Op.cit.
5 BARNA, George, Cansado de Igreja? Revolução. Encontre uma fé vibrante além das paredes do santuário. São Paulo, SP: Abba Press 2007
6 Workshop de Docentes. Hotel Nacional In, Campinas 2007, Instituto Haggai.

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