LEITURA - O PASTOR COMO TEÓLOGO PÚBLICO. VANHOOZER & STRACHAN

VANHOOZER, Kevin J., & STRACHAN, Owen, O pastor como teólogo público: Recuperando uma visão perdida. São Paulo, SP: Vida Nova 2016. (págs. 256)
Apresentação dos autores da obra. Esta obra é uma coautoria dos professores Kevin Vanhoozer e Owen Strachan. E, ao mesmo tempo, uma coletânea de artigos sobre o ministério pastoral, com a contribuição de diversos autores1, a partir da reflexão e atuação ministerial. Tais características tornam, este livro conceitualmente claro, e ao mesmo tempo abrangente na aplicação dos seus princípios.

Kevin J. Vanhoozer, (PhD, University of Cambridge) é professor pesquisador de Teologia Sistemática na Trinity Evangelical Divinity School, em Deerfield, Illinois. Lecionou também na Wheaton College e na University of Edinburgh. É autor de O drama da doutrina, Encenando o drama da doutrina, O pastor como teólogo público e A Trindade, as Escrituras e a função do teólogo, publicados por Vida Nova. É também autor de Teologia primeira (Shedd Publicações).2

Owen Strachan (PhD, Trinity Evangelical Divinity School) é professor assistente de Teologia Cristã e História da Igreja na Boyce College e no Southern Baptist Theological Seminary, ambos em Louisville, Kentucky. Também é diretor do Carl F. H. Henry Institute for Evangelical Engagement [Instituto Carl F. H. Henry para o Engajamento Evangélico] e atua como membro do Center for Pastor Theologians [Centro de Pastores Teólogos]. É coautor da coleção The Essential Edwards Collection e autor da obra Risky gospel.3

O propósito da obra, segundo Vanhoozer-Strachan 4 é o de superar a dicotomia entre a teologia como prática acadêmica e o ministério pastoral. Esta obra pretende resgatar a perspectiva de que o pastor é um teólogo-público a serviço da comunidade.

Perspectiva teórica da obra. A metodologia adotada, segundo os autores, consiste em “com base na descrição de pastores encontradas nas Escrituras, em personagens centrais da história da igreja e na teologia cristã,[...]apresentar um chamado aos pastores para que sirvam como teólogos públicos em suas congregações e comunidades.”(p.)

Breve síntese da obra. Antes de começar a análise de uma obra é muito importante ter uma visão global sobre organização e divisão da mesma. Neste sentido, os próprios autores são claros em descrever o seu projeto. “ Quanto ao processo efetivo de coautoria, a estrutura geral da obra surgiu logo depois de uma rápida tempestade de idéias. Owen escreveu os capítulos 1 e 2, e Kevin os capítulos 3 e 4, o prefácio, a introdução e a conclusão” (p.15 ). Além deste esquema principal, ao final de cada capítulo, são acrescidos textos de pastores-teólogos para corroborarem nos pontos elencados. Na introdução (p.17-60), Vanhoozer procura apresentar os problemas que levaram a elaboração desta obra. A crise do ministério pastoral, que tem buscado legitimidade e relevância, na incorporação de práticas estranhas ao ministério. A crise decorrente do processo de separação entre teologia e prática ministerial. A primeira grande seção, é dedicada a teologia bíblica e histórica (p.61-135). No capítulo 01, cujo o título é profetas, sacerdotes e reis, Strachan procura desenvolver uma teologia bíblica do ministério onde ele advoga uma conexão entre ofício tríplice de Cristo e o ministério pastoral. O autor reconhece que esta posição ultrapassa a posição dos reformadores, em especial de Calvino, que se limitou a identificar tríplice ofício ao ministério de Cristo. No capítulo 02, o autor apresenta uma breve análise do ministério, na história da Igreja, onde demonstra que a prática ministerial e a teologia sempre tiveram relação próxima, o que pode ser constatado no ministério de grandes pastores-teólogos como Agostinho, e Irineu, e que no período medieval tardio, por influência da escolástica e de movimentos práticos como o franciscanismo, uma tendência crescente de dissociação entre teologia e ministério se estabeleceu. O ministério dos reformadores foi um resgate ainda que parcial desta visão do pastor-teólogo. Na segunda grande seção, a atenção é dedicada a teologia sistemática e teologia prática (p.136-233). O objetivo desta seção é demonstrar que a teologia prática (o evangelho no modo imperativo) está em estreita conexão com a teologia doutrinária (o evangelho no modo indicativo) (p.167) Vanhoozer valoriza a prática pastoral, e defende que o ministério local, é profundamente estimulante ao intelecto. Os seminários precisam superar as divisões dos grandes departamentos teológicos reestabelecendo as conexões necessárias para a prática pastoral. No capítulo 04 denominado, artesãos na casa de Deus, Vanhoozer dedica tempo a apresentar as práticas do pastor-teólogo. Ele é evangelista, conselheiro, visitador, pregador, catequista, liturgista.

Principais teses desenvolvidas na obra. O local primário da teologia pública é a igreja local e não a academia. O pastor é um teólogo, e não um terapeuta, administrador ou qualquer outra figura da contemporaneidade, o ministério pastoral e a teologia são indissociáveis. O pastor é um intelectual orgânico5, um teólogo público, um tipo singular de generalista. Pastores estão comprometidos com a doutrina e a sua aplicação visando promoção da saúde e vitalidade da Igreja, tese que também é apresentada em outra obra por Vanhoozer.6 Na conclusão, todo o conteúdo do livro é sumariado em 55 teses, que apresentam a perspectiva dos autores sobre a função do pastor como teólogo público (p.235-241).

Reflexão crítica sobre obra e implicações para o ministério. Teologia Pública ainda é uma área de estudos, recente no Brasil. Sua primeira referência acadêmica no Brasil, data de ano 20017 e a primeira menção do termo que se tem notícia, remonta a um artigo de Martin Marty, sobre o pensamento de Reinhold Niebhur de 19748. Em nosso país temos na cidade de São Leopoldo um importante e pioneiro centro de pesquisas (IHU – Instituto Humanitas Unisinus, EST- Escola Superior de Teologia de São Leopoldo), e nos últimos anos, um número crescente de teólogos e acadêmicos têm se voltado para o seu estudo9. Recentemente, autores evangelicais têm se interessado sobre teologia pública. Esta obra, visa preencher uma lacuna10, apresentando em perspectiva evangelical, uma contribuição sobre o tema.

A busca por uma teologia pública, justifica-se tendo em vista, que na modernidade, a sociedade passou por um processo de secularização e privatização da fé. Isto significa que a dimensão religiosa foi relegada para a esfera privada. No tripé do modernismo materialista e sem Deus (Freud, Darwin, Marx). O banimento da religião para esfera privada foi apresentado como um processo natural de emancipação do homem e de modernização e evolução da sociedade. Porém, este processo não se deu sem resistência, e contradições, e a própria análise dos acontecimentos, forçosamente aponta para outra direção, uma vez que a religião, longe de sua morte anunciada, revelou-se ativa, necessária e presente no mundo contemporâneo. Os religiosos e suas convicções não desapareceram, antes tem sido atores de grande influência na sociedade.11 A teologia pública, visa restaurar a mensagem teológica da Igreja visando a sua plena inserção na Esfera Pública para o bem da sociedade.

Alguém poderia corretamente indagar se toda teologia, já não é necessariamente uma teologia pública. Porém, o que estes autores em particular, e os teólogos públicos de modo geral, procuram resgatar é a visão de que teologia cristã e o ministério pastoral devem estar unidos de tal forma, que as implicações da mensagem de Deus, em Cristo se tornem conhecidas e aplicáveis a todas as dimensões da vida humana. O que resultará, consequentemente, numa expressão pública da fé.
Esta obra tem ainda o mérito de apresentar uma convocação solene para que o pastor exerça o seu papel como teólogo público. Apresentando assim a mensagem do evangelho, em sua integralidade com toda a clareza e coerência possível, pois Deus é Senhor tanto na Terra, quanto no Céu.
1 Os demais colaboradores desta obra são Bill Kynes, Cornelius Plantinga Jr., David Gibson, Gerald Hiestand, Guy A. Davies, Jason B. Hood, Jim Samra, Josh Moody, Kevin DeYoung, Melvin Tinker, Todd Wilson, Wesley G. Pastor.
3 Fonte: https://vidanova.com.br/662_owen-strachan acessado 30/10/2019
5 Conceito derivado do intelectual neo-marxista Antonio Gramsci. p.
6 VANHOOZER, Kevin J.,A trindade, as escrituras e o papel do Teólogo., São Paulo: SP Ed. Vida Nova, p.88 - “Teólogos são médicos que cuidam do corpo de Cristo, administrando remédios doutrinários, quer para curar o corpo, quer para que ele se desenvolva, como no caso das vitaminas.”
7 VON SINNER, Rudolf. Teologia Pública no Brasil, um primeiro balanço. Revista Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Ano 44, Número 122, p. 11-28, Jan/Abr 2012
8 HÜNEMEIER, Alessandra Inês, Teologia pública no Brasil. CONGRESSO INTERNACIONAL DA FACULDADES EST, 1., 2012, São Leopoldo. Anais do Congresso Internacional da Faculdades EST. São Leopoldo: EST, v. 1, 2012. | p.1521-1538
9 Em contexto nacional existem autores que tem se dedicado a este tema sob diferentes perspectivas. Rudolf von Sinner, Júlio Zabatiero, Carlos Caldas, Ronaldo Cavalcante, Jeffersson Zeferino, Guilherme de Carvalho, Pedro Dulci, Flanklin Ferreira entre outros.
10 ZEFERINO, Jefferson, Hermenêutica e Teologia Pública: elementos para a construção do discurso teológico em interlocução com os clássicos desde a Literatura a partir de David Tracy, Revista Teoliterária V. 8 - N. 15 – 2018 p.159 - “Sinner identifica quatro tipos de teologia pública no contexto brasileiro: 1. Acerca da cidadania acadêmica da teologia e sua epistemologia; 2. Resgate de tradições teológicas no confronto com fundamentalismos; 3. Acerca da presença da religião/teologia no espaço público; 4. Teologia pública com enfoque na cidadania (SINNER, 2012,p. 20-24).”
11 Vide JENKIN, Philipp., A próxima cristandade: A chegada do cristianismo Global. Ed. Record. 2004 ; GONZALES, Justo., Mapas para uma história futura da Igreja. ed. CPAD. 2006

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